terça-feira, 26 de maio de 2015

30.

A banalidade deste nosso luso-quotidiano não sustem nada, só detém; não eleva, só afunda; nunca deu prazer, só dormência; nunca entusiasma,  apenas mói. 

Barthelme

Genial padecimento de pós-modernismo e síndrome da escrita criativa. Quando se atira para dentro da frase somos levados por absolutos inusitados e logo ali desacreditados. Afinal não era nada, a ideia, claro, era levar-nos ao ponto uau (!), mas afinal... Não, não é fácil. As Avenidas de Palcos inauguradas por Rimbaud foram todas homologadas, aqui é possível visitá-las e ao mesmo tempo dizer que não são avenidas e que não está ali nenhum estrado. A escrita esse pode praticar-se a cada esquina com aulas especializadas e orientadas sob as técnicas mais inovadoras como qualquer academia de guitarra de Toronto. Pós-modernismo com escrita criativa é como neoliberalismo com Universidade Católica. Doutrina única decorada com um não é bem assim. Vais ter de explicar tim tim por tim tim e eles ir-te-hão fazer ver o que é, depende, e o que não é, depende. Tudo pelos óbvios preceitos da destruição criadora ou da desesperança ilusiva. Se não te dão volumes de provas - não podem - dar-te-hão volumes de preceitos. Para seres um bom pós-moderno terás de ter bem em mente que toda tua espontaneidade é mui facilmente desmontável e pode e deve apenas funcionar como performance. Se fores straightforward e/ou auto-destrutivo o suficiente dir-te-hão, sobranceiros, que todas as barreiras já foram escancaradas, não lhes falta luz solar e estão todas bem pavimentadas. Não lhes perguntes que barreiras são essas se não os quiseres fazer rir a bom rir. Aí sim, provocarás algum efeito de surpresa. Assim como um livro inteiro - muito bom,  diga-se - onde procurarás alguma coisa e tudo o que encontrarás serão apenas truques, dos bons e nunca vistos, é certo, grandes truques, ora toma. Pimba tumba catrapumbarás em nadas. Terás assim um curso intensivo de balística em módulo de absurdo ricochete. Claro que todas as balas serão de borracha. 

terça-feira, 12 de maio de 2015

Ghost Dog

Amigo, só consigo ter-me autêntico olhos nos olhos de igual para igual, como nas antigas pelejas a céu aberto - antecipar-me a mim próprio é um dos meus modos de combate. Toda a amizade primeira chega à primeira - só precisa ser selada num forte cumprimento. Tirada a bandeira invisível, essa superfície de lealdade - junta sólida de aço e tudo, condimentos bem medidos do verdadeiro sabre de samurai(s que somos). Mas já que o olvido nos deu a tabula rasa, e recapitulando todas as disciplinas, se calhar salvaste-me uma vida: uma ou mais. Isto muito antes desse princípio difícil de interiorizar: ter medo sem ter medo, o que é a mais dura matemática. Os números só sabem insistir. 

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Particular Wiseguys

Já disse isto algures, mas foi mesmo pelo acaso ou palpite que me pus a investigar qualquer coisa sobre o Goodfellas de Scorsese e só aí dei com a extensíssima enciclopédica colecção de documentários sobre o fenómenoO caso óbvio em questão era a figura de Henry Hill (interpretado por Ray Liotta), mas também podia ser o de Jimmy "De Niro" Burke, ou o Tommy "Joe Pesci" De Simone.... Mas antes de mais nada quero confessar minha ingénua surpresa ao constatar que afinal toda aquela gente existia... Até calhou bem, pois logo ali arranjei ânimo para ir em frente - e o guilty pleasure foi menor - em toneladas de documentários que se ramificam e bifurcam e ramificam e bifurcam uns sobre (os) outros. Não sem antes - primeira opção consciente - ir dar a esse famoso infiltrado ladrão de jóias nome de código Donnie Brasco, nada menos que o famoso detective Joe Pistone, do FBI. O motivo, já se sabe, era o filme com o mesmo nomePequena ressalva: todo o cinema ou "cinema" sobre o fenómeno não passa da ponta do icebergue, mas continuando: tivesse entrado por Donnie Brasco, ao invés de Goodfellas, e teria logo para a troca documentários ou mini-documentários sobre Sonny "Michael Madsen" Black, Lefty "Al Pacino" Ruggiero, ou sobre aquele tal boss que sai do Cadillac ostentando o charuto, o infame Carmine "The Cigar" Galante. 
Já que falei em guilty pleasure - e é incontornável, o guilty pleasure - devo dizer que circundo as estórias destes péssimos fellas tanto por entusiasmo - não o nego - como para apaziguar ânimos - por vezes até mesmo para acalmar. Ali há muito por onde beber e não ataca o fígado. Por um lado existem histórias, carregadíssimas, cheias de mini-tramas e maiores enredos que encerrariam intrincados policiais e/ou thrillers, nalguns casos talvez westerns modernos. 
Temos a sorte de na nossa melhor literatura haver um extraordinário La Coca, de José Rentes de Carvalho, que nos dá um certo olhar e cheiro de outra realidade similar, se bem que distinta, trazendo consigo o acrescento literário. Também sabemos, segundo o escritor, que aquela gente existiu mesmo, o que traduzindo-se no aqui agora aguçou-me o espírito em relação a algumas histórias que ouvi da Costa Vicentina - mais outras que intuí e/ou imaginei. O que não temos é personagens para dar a ver em séries do National Geographic, do canal História, do Discovery, da BBC, do Biography Channel - ou jornalistas para isso com a classe de um Trevor McDonald, ou de um George Anastacia. Ou se calhar temos, em tempos tivemos, parece, um tal Joseph Barboza, que vendo bem parece uma invenção de George V. Higgins

29.

Encontro-a
Há todo um passado para nos dirigirmos
Se é que dirigimos
Quando era passado por vezes não sabíamos bem o que fazer
Connosco
Mas hoje é como se começasse tudo outra vez
Tudo, mesmo tudo, amolgado, de feridas
Nódoas negras traumatismos hematomas, nenhum vindo de nossos choques, é certo
Que esses não foram tão violentos já cicatrizaram
Mas surpreendo-me ao ver essa marca esquecida no seu olhar fundo
Eu fogo de vista ainda estranhava seu feitio traiçoeiro
No adiante hoje está a ver as coisas pela terra fértil, eu sempre pelo campo de combate
E de abate, com a consciência do tesouro que é por vezes tão pouca coisa
E fazer parte ou ter tomado parte para conseguir retomar nossa conversa
Como se o mesmo fosse outra primeira vez.

quarta-feira, 6 de maio de 2015

«Então não vistes?»
«O quê?»
«A foto.»
«Que foto?»
«Aquela foto que eu pus lá. Não vistes, pus lá à bocado.»
«Ah! Essa foto. Vi, pois vi, então eu pus lá um comentário...»
«Pusestes?»
«Pus, pus nessa e pus noutra foto que fui lá pôr para tu ires ver.»
«Ver o quê?»
«Vais lá e vês.»
«Quando é que puseste lá mesmo essa foto?»
«Para aí há dez minutos.»
«Então não vi.»
«Pois, não deve ter passado ainda meia hora. Mas ontem à noite... Nem queiras saber. Estive lá até às quatro.»
«Ás quatro da madrugada?»
«Sim.»
«E o passarinho cantou?»
«Não estou a entender.»
«Mas como é que tu havias de entender. Não dormes...»
«O que é que tu tens a ver se eu durmo ou não durmo?»
«Porquê?»
«Porque parece que te causa espécie, que tens inveja. Mas eu agora só lá vou amanhã, para tua informação.»
«Sim, sim. É eu só acordar de noite para ir fazer xi-xi, ir lá espreitar e ver-te lá a pôr coisas.»
«Olha que tu também te deitas cedo.»
«Eu lá ir é só até à hora de jantar. Eu de noite só vejo a televisão.»
«Eu isso não. Eu cada vez vejo menos televisão. Qualquer dia fico só mesmo com a internet.»
«Pois. É internet no computador, internet no telemóvel, internet no ipad menor, internet no tablet maior... O que tu és é uma drógada da internet.»
«Se fosse drógada da internet, como tu dizes, não ia só lá amanhã.»
«Deixa lá que amanhã é só daqui a uma hora...»
«O que é que dissestes?»
«Disse que daqui a uma horas estás lá.»
«Olha-me esta, até parece que não tem telhados de vidro...»
«Agora fui eu que não percebi.»
«Olha, diz o roto ao nu...»
«Não sei que telhados de vidro estás tu a falar. Nem quem é o roto e quem é o nu.»
«Diz lá então como é que eu sou? Diz lá então como é que eu sou?»
«Que és uma drógada da internet. Sim, és uma drógada da internet. Passas a vida lá! A ti é só ir lá, ir lá, ir lá. Passas a vida toda lá, passas a vida inteira lá!»
«Deixa lá que te apanho lá muitas vezes... Tem vezes que estás lá tanto que já não te consigo é ver à frente.»
«Isso és tu a dizer. Por mim, inventa tudo o que quiseres. Eu até posso lá ir todos dias. Só que há uma grande diferença entre ir lá todos dias e ir lá todos minutos. Tu se calhar até quando tomas banho andas lá. Tomas banho, não tomas?»
«Não me estás a perguntar isto, pois não?»
«Então com tanto dispositivo, tanto dispositivo, algum há de ser impermeável. Vai na volta ainda tens um tablet em frente ao chuveiro. Deve ter sido o teu namorado que pôs lá um vidro especial numa caixa de vidro ou o caralho, e aquele fica lá para tu ires vendo, deves ter é de estar sempre a limpar as mãos...»
«Ai tanto disparate! Nossa Senhora!»
«Vais precisar de Nossa Senhora, vais. Vais precisar de nossa Senhora quando acontecer uma catástrofe e não puderes ir lá.»
«E continua...»
«Ah pois! Pode haver uma catástrofe que provoque uma avaria daquelas das grandes nas internetes. Não é um tremor de terra, filha, aquilo que eu te estou sempre a dizer-te. Não, é mesmo a internet toda a acabar! Olha que um dia...»
«A internet toda a acabar, diz ela...»
«Então fala com o Afonso para ver se o que eu digo não é a verdade. Ou então pergunta à Renata, que sabe essas coisas todas. Se não sabias, ficas a saber: a internet são uns cabos muita grandes ou lá o que, e é na América. Se houver uma grande catástrofe naquelas zonas onde está lá guardada a internet acaba-se a internet em todo o lado e cá em Portugal. Ou achas o quê?»
«Isso é mentira.»
«Não é mentira nenhuma. Foi lá que eu vi. Até vi as fotos dos cabos e tudo.»
«Viste lá onde?»
«É uma coisa da Rússia que o Afonso gosta. Eu também fiquei a gostar. Vem em espanhol retraduzido.»
«Conversas dos russos em espanhol. Pelo amor da santa!»
«Prontos, os amaricanos é que são bons, queres ver? Foram lá por causa do Saddam e agora aquilo é só terroristas, ou é mentira, queres ver?»
«Quero ver o quê?»
«Está-se mesmo a ver que não percebes nada disto. Não te informas. És ignorante.»
«Eu cá não percebo muito disso das guerras e das políticas. Nem quero perceber. São todos uns mafiosos, uma cambada de ladrões... Só estão lá para sacarem é o deles.»
«Eu também percebo nada disso. Mas ao menos interesso-me. E às vezes até encontro lá umas cenas fixes. Há lá muita coisa das politicas interessantes. Olha, ficas a ver como é que te andam a gamar...»
«Eu cá prefiro nem saber, nem perceber, só de olhar fico doente. Eu lá prefiro é outras coisas muitíssimo mais interessantes.»
«Bem sei. E que coisas...»
«Tu não me chateies...»
«Não te chateio mas volto a dizer que estás lá daqui a uma hora. Se quiseres até aposto contigo. É só mesmo chegares ao bules. Julgas que eu não sei? O teu chefe é que é tanso, ou então não vê é nada à frente. Vai na volta tem um fraquinho por ti.»
«És tão parva! Julgas que o meu chefe não sabe? O meu chefe também está lá sempre. Sou amiga dele.»
«Melhor para ti. Eu cá não tenho amigos chefes. Nem cá, nem lá. Com o meu patrão devia de ser bonito, havia...»
«Havia...»
«Havia de ser bonito, devia.»
«Tenho sorte. E depois?»
«Depois melhor para ti. Eu cá só quero a felicidade das minhas amigas. Lá também. Não sou nada invejosa, graças a Deuses.»
«Eu sei. Por isso agora até vais fazer um favor aqui à maninha.»
«Pronto. Tinha de vir. Já sabia.»
«As maninhas são para as ocasiões...»
«Então se as maninhas são para as ocasiões, diz ao menos o que é que é. »
«Espera...»
«Espero nada. Vá lá. Solta!»
«Não posso dizer.»
«Não podes dizer...»
«Não posso ainda dizer.»
«Ai não? Então está bem. Respondo na mesma moeda: se me disseres o que é, vou lá. Se não me disseres...»
«Não sejas má, vá lá, vai lá. Vai lá ver e vais ver. Tens é de ir lá ver. Se eu te disser agora não vale a pena. Perde a magia, perde a graça. Tens é de ir lá ver o que é que é. Aqui não podes, é impossível saberes. Tem mesmo de ser lá.»
«Prontos. Não tu repitas. Daqui a bocado vou lá. Satisfeita?»

terça-feira, 5 de maio de 2015

28.

Também se escreve no vazio, mesmo escrevendo. Anestesiados não sentimos sequer a possibilidade da dor. A escrita anestesiada pede ainda um melhor fingimento, tão melhor quanto falso, nada que ver com esse fingimento "que deveras sente", mas com um outro qualquer, porventura aquele que deveras quer sentir. O que é vigarice, embuste, uma falsificação bem relaxada, escrever com um comando à distância, como se a pena não passasse de um drone. Pior é que nem isso: nem mesmo o drone é verdadeiro - o que obrigaria a outros desafios. Muito escritor falso auto-satisfeito imagino eu seja mesmo assim : um falso drone, um charlatão embuste, sua pena nem à distância comanda, seu fingimento deveras quer sentir

                       

domingo, 3 de maio de 2015

Gin Tónico, o Gajo





Costumava chamá-lo de Gajo. De manandro do camandro, é que o gajo não é bem malandro, então chamava-o antes de manandro, de manandro do camandro. Um jóia de boa pessoa, uma lição de vida, o Gajo. Nunca se queixava, a não ser depois, depois de velho, com a horrível dor da pedra nos rins, mesmo assim tão estoicamente que até fazia dó. Coisas da forma de (o) ser. É que o Gajo ria, ria, ria com a vida, e ria para a vida com uma euforia extrema. Era mesmo assim, o Gajo. A suprema festiva vida do Gajo era motivo mais que justo para festejo, que era mesmo assim sua forma de estar, de não ser sozinho, num festejo. Gostasse o Gajo de beber senão água e seria um extraordinário companheiro de copos. Sempre contente e pronto a entabular a conversa, o Gajo. Não era preciso muito, um carinho naquele pelo da cara de barbas de Pai Natal  e cuidado, não fosse o Gajo entrar em beatitude. Então se o nível de gratificação aumentasse, tipo "vamos à rua, Gin", ou se numa voz sádicazinha de fomes de comidas falássemos  em carninha ou ossinho então o Gajo perdia-se das adrenalinas, era como se tivesse acabado de ganhar um Oscar. Ele lá sabia, o Gajo.
Já vão uns bons anos, estava eu incrédulo quase a chorar o falhanço da ida do Sporting à final da Taça UEFA, que sabemos que ia ser em Alvalade, quando Miguel Garcia marcou aquele golo no ultimo segundo do jogo e eu disparei-me em pilhas de euforia para semanas inteiras. Sentia-me uma autêntica máquina de rega descontrolada. Berrava GOLO, corria, gritava, nem dei pelo Gajo, que olhava para mim como que a dizer “Olha. Ensandeceu...!”. Depois ia para perto da Dona, como que a pedir-lhe uma explicação, como que a precisar de desabafar, como que cheio de necessidade de discutir, de debater, de matutar em mim. Não sei o que dona ouviu, mas disse: “vai dar uma festa ao Gin, ficou muito preocupado contigo...”. E eu lá fui dar uma festa ao Gajo e o Gajo começou a rir outra vez. Também qual era a dele, armado em quê? O chavascal quando era para ir à rua era umas cem vezes superior ao estaradalhaço que eu dei com a primeira final europeia da minha vida...
O Gajo gostava e queria tanto sempre ir à rua que ficava atento a todo e qualquer mínimo pormenor. A intuição essa apurou-a tanto que até cheguei a um ponto em que me bastava pensar nisso para o Gajo entrar logo de imediato em festejos - quem não acredite, não acredite, agora já não dá mais para fazer uma aposta. Poderia, quem sabe, até ganhar dinheiro com isto, tinha de arranjar um lugar, um palco, só não podia é ser na rua, e com muito pouca gente que o Gajo era de se distrair facilmente. 
O processo esse começara uma vez com um simples queres ir à rua?; - assim se arrastou umas semanas; depois, passou para um vamos à rua?; mais uns tempos e depois passou para um vamos?; depois para um Vam, depois para um V, depois, enfim, depois quando já não havia mais nada verbalmente a decifrar restava o quê? Um olhos nos olhos. Era a coisa mais fácil bastava olhar o Gajo a pensar nisso, no mesmo: na rua. O que é que mais restava para, como dizer, aperfeiçoarmos a comunicação. Telepatia à distância, pois claro. Então bastava pôr-me de costas a pensar no assunto, ele adivinhava. Claro que ainda tive de inovar mais, pôr-me na cozinha a pensar nisso com o Gajo na sala. Era só esperar que do nada começasse a ouvir aquele ladrar doideufórico. Ladrava, ladrava, ladrava, parecia um huno a saquear Roma, grande caixa toráxica devia ter o Gajo! Tinha logo de pôr a trela, qual armadura, e sair logo porta fora escadas abaixo não fosse ele virar o prédio de pantanas com aqueles ladrares entusiástico-histéricos. Depois, já na rua, era um gajo doido a querer saber de tudo, da relva mais limpinha ao canteiro mais javardo.  Claro que ia ficar tão roto com o passeio que à noite até lhe daria para ressonar... Mas sempre a acordar com esse sono leve-vigilante de cão um dia tive mesmo de lhe provocar: “sonhaste com quê, Gin? Foi com carninha?” Nem respondeu, não estava ao seu nível. 



Very few films anymore deal with what's happening. They have lost touch with reality. There's been a dumbing down of our culture. We're all getting spinned out. We believe all this shit like it's the truth. Where can you go to get the truth now? It is hard to find in your own life, cause we have been so brain washed by this junk. That fills the airways, that's in the movie screens while the technics get greater and greater, and the technical discoveries and developments get so unique that a director's wildest vision can be fullfiled.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Rufia há só um



Poderia, por exemplo, escrever sobre a organização social dos golfinhos, daria muito que pensar em tudo o que são questões feministas e mesmo de género. Outras e até novas linhas de leitura, quem sabe, pistas em que eu não corro, mas respeito, apoio e voto a favor. Mas um golfinho é um golfinho e com ele não preciso tanto de organizar o caos. Também ele não tem a má sorte de ser um leão-marinho, assim como há seres humanos que têm azar de o serem e outros não. 
Comecemos então com a fábula vista à meses num documentário da tv e tanto me intrigou que me pôs a escrever para o blogger, tarefa que acabei até que esqueci, até que reparei, enfim, que a tinha posta em draft já lá muito em baixo a marinar, a apodrecer ou as duas coisas:  
Uma leoa-marinha acabada de ter filhotes está já sem reservas. Vai ter de se alimentar. De outra forma não haverá leite para ninguém, nenhuma cria para amamentar. Não é no ponto onde está - numa praia rochosa algures no Perú - entre milhares de comparsas de espécie, que irá conseguir comer alguma coisa. Então tem de partir. Ir à caça, mais que à pesca. O que também significará que a descendência deverá ficar quieta e sossegada, mas com muita atenção, como se verá a seguir...
A primeira missão é ainda em terra: cheirar, farejar muito bem os seus e as suas, toda a atenção é pouca, pois o faro será o único meio para reencontrar a linhagem quando regressar - entre centenas ou milhares (só) alcançará os seus pelo cheiro. Segue-se então a partida para a arriscada aventura, que durará semanas. Mais porque sendo preciso caçar é preciso primeiro enfardar à grande, porque só enfardando à grande para engordar bem se criarão dali as necessárias reservas para os meses de repasto da prole. O tanque tem pois de voltar bem cheio. Vamos então ao a seguir.
Chegamos aos vilões da história, uns vilões sem qualquer categoria, diga-se. Não passam de frustrados adolescentes leões-marinhos, imediatamente traduzidos na minha mente para rufias que não têm mais nada com que se entreter. Sim, sim, é aquilo em que estão a pensar: vão fazer a folha aos coitadinhos. Serão sádicos por natureza? Também. Estarão frustrados? Muito. Mais que frustrados, levaram a tampa das suas vidas. Ficaram a saber que não prestam pelas respectivas leoas-marinhas que escolheram outros leões-marinhos achando esses sim capazes para a generosa honrosa tarefa de serem eles (os) procriadores. A questão existencial se eram rufias a priori/se eram rufias a posteriori define-se tão simplesmente neste ponto: eram rufias. Porquê? Por causa do que o rufia faz. E o que é que o rufia faz? Faz o que normalmente os rufias fazem quando se sentem frustrados e/ou contrariados: dão cabo do juízo a alguém - sobretudo ao mais fraco
Cá nós podemos pegar nos rufias da escola, nos rufias da política, nos rufias das empresas, nos rufias de café, nos rufias das claques, nos rufias das artes, nos rufias das praxes - do que é que eu fui-me lembrar... - é um nunca mais acabar de (exemplos) rufias. 
Aos leões marinhos, à falta de outra opção, a electricidade da frustração é usada para roubar vida aos mais pequenos. Malhar ou matar pode ser apenas um pormenor - olhem os rufias das praxes. E isto às claras, em frente a milhares da sua espécie - mas cada um na sua, quem disse que o egoísmo é exclusivo humano? 
O que me intriga, todavia, vai um pouco mais além, não sei se já repararam: está no futuro.  É que muito do rufia (leão-marinho) que rebenta o coro à cria indefesa também já foi ele cria indefesa. Ele próprio é um sobrevivente de rufias... 
Moral da história há um ou (os) dois: 1 - que rufia só há um,  2 - os leões marinhos são todos uma cambada de rufias. Já pus a minha cruz no 1. 

1º de Maio

Se não acreditas na luta de classes o Pingo Doce tem uma surpresa para ti.