quinta-feira, 31 de janeiro de 2019






Lontano por Rui A. Pereira, a partir de Praia Lontano.

Assinado e numerado. 

Na livraria Círculo das Letras, Rua da Voz do Operário, 62. 



quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

127.


PICOS DE EUROPA

Montanhas que falam que cantam alto
Alto aos céus
Olhando-as de baixo, erguidas
A estender o princípio
Em trechos de tempo
Um segundo de mil anos
Repetido a cada momento
Estamos colados ao eterno
De ali acercam-se os deuses 
As montanhas são o templo
A igreja mais alta
Se os deuses têm forma de gente 
As montanhas impõem o temor certo
Sem a medida da inspiração
Não nos distinguiremos da areia
De um relógio 
Agora é connosco
Um trilho especial
A curva-contra-curva,  um túnel de auto-estrada 
A luz-contra-luz-nasce-luz-corta-luz-contra-luz
E Deus fala numa voz tão alta que não conseguimos ouvir
E tardará muito pouco até que revigoremos cidade.

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

126.

As chegadas aos hotéis, às pensões e às estalagens das cidades que não conhecemos marcam um antes e um depois. São o ponto de passagem, o primeiro concreto contacto, a primeira mediação naquela particular atmosfera urbana. Por maior que tenha sido o trânsito, por mais que tivéssemos sido mergulhados no caos urbano. É a partir dali, do balcão do check-in que é dado o verdadeiro tiro de partida. Chegamos à outra viagem, se nos propusermos verdadeiramente a isso. Ali, precisamente, onde retornaremos antes de levarmos as malas já com a substância da experiência no organismo, na tela geral da vida. De onde, enfim, libertaremos a energia definitiva sob a forma de experiência adquirida. 

125.



Quanta obscuridade temos de  iluminar
Tanto a quanta luz temos de protelar 
Por cautela
Para não nos ofuscarmos
Para não sermos apanhados 
Desprevenidos 
Devíamos fazer um esforço maior afim de purgar
Do corpo o veneno reactivo
Se todo o perigo existe
Apenas reforça a lei
Da superação interior
Para uma química de superação
A paz necessita ser exercitada. 

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

LEI SECA




Tomará o seu tempo, mas já estivemos mais longe do dia em que serão legalizadas todas as drogas por não haver outro caminho, se chegarmos lá vivos. A loucura, essa, nunca será maior que apanhados como este, um sample da coisa, vá-lá, servido em dose de entretenimento, nem podia ser de outra maneira... 


OSSO CIENTÍFICO

- Agora seriamente acreditas que finalmente terás direito à transcendência: foi descoberta a fórmula, ficou provado cientificamente. Agora, finalmente, já podes circular a essa dimensão superior graças e tudo graças ao método cientifico. Foi tudo cientificamente atestado, não há mais nada com que te preocupares. Como? Não existe «essa coisa da transcendência»? 

...



«Se depois de atingir o estado de Buda, alguém no meu país
         for lançado na prisão por vagabundagem, que eu não 
         atinja a mais alta e perfeita iluminação.

         patos selvagens no pomar
         geada na relva nova 


«Se depois de atingir o estado de Buda, alguém no meu país
         perder um dedo a engatar vagões de carga, que eu não
         atinja a mais alta e perfeita iluminação.

        olho de água alvoroça-se
        sacudida pela rédea
        ferraduras brilhantes escouceiam
        artelhos trémulos: rocha  esquiva  abaixo


«Se depois de atingir o estado de Buda, alguém no meu país
         não conseguir apanhar uma boleia em todas as direcções
         que eu não atinja a mais alta e perfeita iluminação

        rochas molhadas zumbindo
        chuva e trovejo a sudoeste
        cabelo, barba, zumbindo
        vento  chicoteia  pernas nuas
        devíamos voltar
        não voltamos.



Gary Snyder  "Antologia da Novíssima Poesia Norte Americana", tradução Manuel Seabra, Editorial Futura,1973

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

124.



Nada como ler agora Gary Snyder 
Aproximar-me da natureza das palavras
Já era tempo de lembrar a natureza do rio
De todos os rios
Longe do mar de todos os mares
Pelo acordo das terras
Esse caminho de dentro
Onde o grito pode ser um riso
Onde a abóbada estende o eco
Da voz a cerimónia
Desde a primeira fala à impressão 
Da primeira palavra impressa
Só são precisas duas coisas: atenção e calma
Dizia Mestre Stobbaerts
A minha parte, digo eu
É toda igual a todos os demais
Depois da tempestade a calma
A paz depois da guerra
É preciso trabalhar o corpo
É preciso ler o signo
Do Quixote primeiro
Aproximar a fala do tempo
Combinar o presente e o passado
Ver se se entendem se combinam
Se podem eventualmente serem grandes amigos
Fora isso, a Natureza definitivamente precisa
Ser traduzida
Transmutada em conceito
De liberdade e impermanência
Selvagem, onde nos nutrimos 


Em nome de todas as existências
Quanta obscuridade temos de estar constantemente a iluminar
Quanta luz temos de protelar por cautela
Para não nos ofuscarmos
Para não sermos apanhados
Desprevenidos
Pelo que bem espera 
Doses de disciplina, humor
E exercício físico serão preciso
Purguemos nosso veneno reactivo
Se o perigo existe
Reforça a lei
Da superação interior
A paz necessita ser exercitada
Constante em espírito como em físico
A química criadora é de uma segunda natureza.