domingo, 28 de julho de 2013

William Carvalho


Sou dos que ontem ficaram maravilhados com o show de William Carvalho. Fui ver melhor quem era. Campeão de juniores - o que para o Sporting não é nada; uma época na segunda divisão, emprestado ao Fátima; uma época na primeira divisão belga, no Cercle Brugge. Acabava contrato este ano, o clube belga queria-o mais um, Leonardo Jardim viu-o jogar e terá dito nem pensar, primeira equipa já. Assim foi de estágio para o Canadá, fez grande golo ao Peñarol, renovou contrato, com a Real Sociedad foi o que se viu. Tudo isto ainda mal começou. 
Já que estamos de coincidências, horas antes do jogo uma sugestão do You Tube não podia ser recusada: um resumo de imagens do grande Douglas, o melhor médio defensivo que alguma vez vi jogar. Claro que sua super-técnica era outra. Nem pouco mais ou menos o nosso William chega lá. Não interessa. Falamos de trincos, não falamos? William Carvalho é bem mais possante que o mineirão. Há quem lembre Patrick Vieira, mas mesmo esse não me parece nada, visto bem, nem sequer se assemelham. Suspeito mesmo que William Carvalho (já) só se pareça com William Carvalho. Um dia espero conseguir explicar porquê. 

J.J. Cale (1938-2013)




Foi com ele que entrei por aqui adentro. Dessa madrugada é só mesmo o que recordo. Não procuramos o que nos encontra. E entre "Troubadour" e o músico o Universo é extenso. Com canções como estaesta ou esta.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

De casa para dentro não se entra

Conquistou o tempo para construir o seu trabalho?
Sim, com muitas defesas. Isso obriga-me a ser muito anti-social num certo sentido. Não sinto obrigação de responder aos e-mails, ao telemóvel. Não acho que se deva ceder a uma das maiores pragas do mundo contemporâneo que é obrigar as pessoas, por vias tecnológicas, a estarem sempre presentes. Se eu quiser escrever ou ler, tenho de escapar dessa presença. Muitas vezes paga o justo pelo pecador. 
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Basta haver uma deriva autoritária para não ser preciso nenhum big brother, está tudo feito.
As séries de televisão banalizam isso, como se fosse normal...
Mas não é normal. E infelizmente ainda se vai agravar porque os mais novos utilizam as tecnologias para se controlarem uns aos outros. O telemóvel é um instrumento de controlo. Namorados e namoradas, pais e mães. Não é para fazer telefonemas. O número de telefonemas que uma pessoa faz num dia com o objectivo de comunicar alguma coisa, para dar uma informação, é pequeníssimo em relação aos telefonemas que começam pela sacrossanta pergunta «onde é que estás».
Na internet, no Facebook, aceitam expor-se, diminuir a sua privacidade. Elas próprias estão a perder uma cultura que demorou muito tempo a criar à civilização burguesa, a cultura da intimidade, da privacidade, a cultura do «de casa para dentro não se entra».

José Pacheco Pereira, Ler, Julho|Agosto

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Amigo de Eddie Coyle



Meia folha de folha de rascunho A5, eis o meu marcador acidental para “The Friends of Eddie Coyle” de George V. Higgins. Com a mania de encher os livros do carvão do lápis em sublinhados e notas laterais, achei ali uma boa oportunidade. O livro em si é daqueles que limitado no género*, ainda é para muitos expoente máximo inultrapassável. Novela seminal, choque frontal com tudo o que até 1970 se tinha escrito sobre o mundo do crime, "The Friends of Eddie Coyle" fez-se existir criando novas regras, separando as águas entre um antes e um depois, decretando novos parâmetros, um novo jogo no seu género. 
Cercado de diálogo(s), páginas e páginas inteiras de conversa atrás de conversa, ora em esgrima verbal, ora na descrição enfática e idiossincrática que cada personagem dá à sua versão da realidade, que nada mais é do que sua carta(da) jogada da forma e na hora certa ou incerta. Orientado ou desorientado o leitor - os dois sentidos são aqui simultaneamente possíveis - directo ao cerne dessa unidade que é a cena, tão dentro ao âmago da acção que por vezes se torna vertigem, ignorando se sabemos ou não onde estamos, o que é sua intenção, quiçá exacta, de nos dar a visão crua, o mais imediata possível da acção, obrigando-nos a que nos orientemos o melhor possível nela, que é o que fazem aqueles enigmáticos personagens que nos surgem como completos desconhecidos e apenas podemos ver e avaliar pelo que fazem. É bem real pois esse mútuo jogo da cabra cega, como poderemos comprovar findada a leitura das 182 páginas desta curta novela. Em sua estrutura o efeito joga-se na síntese, secura e eficácia da linguagem - nada ali a mais, o que é feito em grande estilo no puro gozo do linguajar de rua transposto em escrita sumarenta e dona dos seus terrenos, sabendo dessa forma muito bem apanhar-nos a jeito... 

Falei nos diálogos, são à vontade 90% da peça, personagens que falam pelos cotovelos, aparentemente incapazes de se calar, falariam até com uma cadeira, escreve Dennis Lehane na introdução. Ali o que se ouve mais é o calão e conversa de rua - slang. Ou os diferentes dialectos de etnia afro, irlandesa ou italianas - o patois. Trabalhados ao tutano, ao âmago, ao que podem dar de inebriante, como um bom licor, às vezes uma bela aguardente. Foneticamente atractivo, quase musical, com um ritmo e beat esmagadores, as falas de Eddie Coyle inauguraram uma época, o tal antes e depois pois como que encontraram a fonte de onde passou a estar sempre a jorrar água para um nunca mais acabar de canais usados e abusados em livros e no cinema desde o dia em que "The Friends of Eddie Coyle" veio ao mundo. Escritores do género, realizadores e argumentistas, as duas coisas, dramaturgos, demais escritores, leitores anónimos como eu, não acredito que quem tenha lido esta obra-prima não tenha extraído da fonte qualquer coisa. Elmore Leonard considera-o até hoje the best crime novel ever written, também ninguém como ele aproveitou o filão, inebriado de beat e sonoridade suficientes para desatarmos a ler em voz alta ou regressar um dia como àquela tal canção de um disco que gostamos. Sem "The Friends of Eddie Coyle", se calhar nunca conheceríamos um certo Quentin Tarantino (1). Ou o mesmo David Mamet. Ou a série "The Wire(2), pelo seu lado mais profundo e reflexivo, na moralidade para além do bem e do mal, ou na completa ausência de bullshit

Peço outra vez auxílio à excelente introdução de Dennis Lehane, outro auto-assumido devedor: 
«How can a slim book with minimal description and no heroes lay claim to the status of modern masterpiece? Let's start with the title, "The Friends of Eddie Coyle". Eddie Coyle has no friends. Eddie barely has acquaintances. Eddie Coyle is our hopeless, helpless, hopeless Everyman in the Boston criminal underworld of 1970. He might be the worst guide ever, because he is utterly out of his depth. Or. On second thought, maybe he's the best guide ever, because most of the people who swim in this sea are out of their depht.»
+
«Relying on his own experience as an assistant U.S. Attorney, Higgins pulls back the veneer on the real criminal underworld, not the romanticized version readers kept in their heads before "The Friends of Eddie Coyle" was published. There are no noble gangsters swept up in high tragedy in Higgins world and no righteous cops obsessed with justice.»

Só mais algumas notas, tiradas daquele simulacro de folha que já estará algures numa lixeira da zona de Lisboa.

Imaginação prática: cada palavra, cada frase com sua respiração e intencionalidade próprias / A acção é sempre o personagem, o personagem é sempre a acção. Na vida e na morte, no génio e na nabice / Directo à cena, quais capitulo, qual quê, como que a dizer "aguentem que eu trato do resto" / A impressão subjectiva dada de forma objectiva, a objectiva, não necessariamente / Nitidez máxima, até no nevoeiro se conseguem ver as finas formas do fumo / A ambiência não é gratuita, nem é logo dada ao inicio, vem do espaço mas também vem com o tempo: é unidade espaço/tempo / Gigantesco tabuleiro de jogo onde todos vendem cara a derrota, no fio da navalha, quando todos só podem ganhar, o jogo é estupendamente bom /A coragem de se ser rude, de ter força necessária no martelo de nada vale aqui se não combinada com o extremo virtuosismo, rigor e precisão, trabalhos de artista e de artesão.


* - os abrangentes crime novel e thriller servem; o português policial é uma palavra que, não sei...

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1 - “He didn't show up,” Foley said. “I sit there for about half an hour, and I have a cheese sandwich and a cup of cofee. Jesus, I forgot how bad a thing a cheese sandwick is to eat. It's just like eating a piece of linoleum, you know?”
“You got to put mayonnaise on it, “ Waters said. “It's never going to have any flavor at all unless you put some mayonnaise on the bread before you put the cheese on.” I never heard of that,” Foley said. You put it on the outside, do you?”
“Nah,” Waters said, “you put on the inside. You still put the butter on the outside and all. But when the cheese melts, there, it's the mayonnaise that gives it the flavor. You got to use real mayonnaise, though, the stuff with eggs in it. You can use that other stuff that most people use when they say they're using mayonaise, that salad dressing stuff, you can use it. But it isn't going to taste the same. I think that other stuff scalds or something. It doesn't taste right, anyway.”
“They don't go for those refinements up the Rexal's anyway,” Foley said. “What the hell, you go in there and order a cheese sandwich, they got a whole stack of them, already made up, problably since last Wednesday, and they take out one of them goddamed things, big fat piece of this orange cheese in it, and throw on some grease, they pretend it's butter but i sure don't believe that, and then they go and they fuse it all together with a hot press there. My stomach's still trying to break that thing down into something I can live on, just like a big piece, two big pieces, of bathroom tile with some mastic in between. Srved hot. I get sick, you're gonne have to give me a pension.”

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2  - “Good Christ,” Clark said, “you guys want to put the world in jail. This is a young kid. He doesn't have a record. He didn't try to hurt anybody. He's never been in court before in his life: he doesn't have a goddamned traffic ticket, for God's sake.”
“I know that,” the prosecutor said, “ I also know he was driving a car that cost four grand and he's twenty-seven years old and we can't find a place he ever worked. He's a nice, clean-cut gun dealer, is what he is, and if he wanted to, he could problably make half the hoods and forty per cent of the bikies in this district. But he doesn't want to do that. Okay, he's a stand-up guy. Stand-up guys do time.”
“So he's got to talk”, Clark said.
“Nope,” the prosecutor said, “he doesn't have to do a damned thing except decide which he want's to do more, talk, and make somebody important for us, or go down to Danbury there and get rehabilited.”
“That's a pretty tough choice to make,” Clarke said.
“He's a pretty though kid,” the prosecutor said. “Look, we don't need to stand here and play the waltz music. You know what you got: you got a mean kid. He's been lucky up to now; he's never been caught before. And you know what i got, too: i got him fat. You've talked to him. You saw him and you told him it was talk or take the fall, and he told you to go and fuck yourself, or something equally polite. So now you got to try the case, because he won't plead without a deal that put's him on the street and I don't make that kind of deal for machine gun salesmen that don't want to give me anything. So we try this one, and it'll take two days or so, and he'll get convicted. Then the boss'll tell me say three, or maybe five, and the judge'll give him two, or maybe three, and you'll appeal, maybe, and some time around Washinghton's Birthday he'll surrender to the marshall's and go down to Danbury for a while. Hell, he'll be out in a year, year and a half. It isn't as though he was up against a twenty-year minimum mandatory.”
“And in another year or so,” Clark said, “he'll be in again, here or somewhere else, and i'll be talking to some other bastard, or maybe even you again, and we'll try another one and he'll go away again,. Is there any end for this shit? Does anything ever change in this racket?”
“Hey Foss,” the prosecutor said, taking Clark by the arm, “of course ir changes. Don't take it so hard. Some of us die, the rest of us get older, new guys come along, old guys disappear. It changes every day.”
“It's hard to notice, though,” Clark said.“ It is,” the prosecutor said, “it certainly is.”

sexta-feira, 12 de julho de 2013

O Grande Culpado

Era imensa a treta do consenso à volta do desGoverno no início do mandato. Também não era mentira nenhuma. Pedro Passos Coelho tinha tudo menos os partidos mais à esquerda que tinham acabado de dar um jeitão no assalto ao poder. Durou pouco, muito pouco, que o programa da troika é o programa do governo e queremos ir além da troika, emigrem, o desemprego é uma oportunidade, há que sair da zona de conforto, não sejam piegas, entre tanto e tanto mais.  

Mudemos a agulha, seguiram-se os partidos, acima de todos o PS. Depois a própria Constituição: dois anos, dois orçamentos anti-constitucionais, cada cavadela, cada minhoca. Os sindicatos, as associações patronais. Os alvos a abater: reformados, pensionistas e funcionários públicos. O Tribunal Constitucional. Tanto comentador, analista ou tudólogo e este governo era apenas incompetente, irracional, incoerente. O mais óbvio, cristalino e verdadeiro adjectivo é que nunca foi usado, também não o vou usar aqui, a incompetência defende-o bem, é que mesmo para isso são precisas mãozinhas... 

Fiquemos pelo rufia político - que se fez com Relvas, mas não só - o perfeito imbecil - aquele que acha que por esticar a corda esta deixa de se partir. A verdade é que parte, parte mesmo. 

terça-feira, 9 de julho de 2013

...

O Escrever disse à Vida que precisava um pouco de paz de espírito, baixar o volume, mais silêncio. A Vida não respondeu, o som até aumentou. O Escrever não gostou, baixou o volume à Vida, bastante, tanto ao ponto de a quase deixar de ouvir. Levantou a voz, disse, o tumulto agora vem daqui, sou eu que o decreto, tenho escrito. A Vida não respondeu, nunca responde. 

Pregão da Tarde

Na praia um dia esplêndido, épico. Eu lia na areia, ou apanhava sol, não me lembro, sei que às tantas me ergui da toalha para ver o mar e dei de costas com alguém que parecia mesmo tu. Olha ela, pensei. Veio-me cair aqui hoje por milagre, só pode. Pormenor de requinte, ias à água com os elegantes óculos escuros - cheios de charme e estilo - postos. Nadavas sem molhar a cabeça. Quando voltavas foste directamente para a toalha e o que é que te puseste a fazer? Ora adivinha, a ler um livro. Trazias contigo duas pessoas, uma ela e um ele, os dois com um certo ar de centro ou norte da Europa, podiam ser holandeses, belgas, dinamarqueses, alemães... 
O tempo entretanto a passar, eu entre o extremo lúdico de um Elmore Leonard e o grave de um Miguel de Unamuno; o mar que refresca e o sol que preguiça; ia não ia, falava não falava, olhava não olhava. Entre tanto piraste-te com a amiga, julguei que tinhas ido para aquela esplanada de madeira suspensa onde se celebra o oceano com a bebida mais refrescante que conheço. Quase às sete da tarde passaríamos a uns dois metros um do outro. Tivesse sido real. Virtual também não era.