segunda-feira, 27 de agosto de 2018




Vem o Cozido à Portuguesa acompanhado a shots de vodca. Música para o ouvido dos russos. Este grupo adora a cozinha portuguesa, conhece os bons restaurantes, dos mais caros aos baratos. Fazem quilómetros se sabem que o melhor leitão está em Viseu. Vão se for preciso ir até Trás-os-Montes só para comer aquele Cabrito Assado no Forno. Metem-se no carro até Aveiro só por causa de um certo bacalhau na Costa Nova. O louro calmeirão Marat Andreichev é quem manda e toma a palavra. Ele e o mal-encarado Xico Chino. «Mesmo bom. Cozinha portuguesa mesmo bom.» «Este cozinheiro faz o melhor Cozido à Portuguesa de Lisboa e arredores.» «Porquê Lisboa e arredores?» «Já comi melhor no norte. Valpaços, um dia levo-os lá.» «Então Valpaços cozido bom. Cozido com Vodca, Valpaços?» «Cozido com tudo o que quiserem.» «Ahahahaha ahahaha!» Mais uns quantos a rir, a rir em uníssono. Mais penaltis de vodca. «Onde é que anda Barbosa?», perguntou Andreichev. «O Barbosa anda lá nos negócios dele.» «Bom dinheiro. Barbosa bom dinheiro.» 

domingo, 26 de agosto de 2018

ONE MAN SHOW




Agora é que é. Mais outra capa com a eminência da eminência. Agora é que é. Melhor sentarmo-nos porque ainda vamos ter que esperar. Muito. A julgar pelas capas da Time - e as coberturas da CNBC e CNN e os artigos do New York Times e do Washington Post - Donald Trump já teria marchado há muito, muito tempo. Mas não marchou, pelo contrário, ainda se incrustou mais ao poder. Desmascarado e em queda desde as primárias, momentum eleitoral que ninguém viu porque todas as sondagens acertavam sem apelo nem agravo: ia ganhar a Hillary. E lá vai Trump outra vez surfar a onda, outra vez arranjar forma de surfar qualquer onda em seu benefício. Sem medo nem vergonha na cara. Uma inspiração para todos os brunos carvalhos desta vida. Manipulador, mentiroso patológico, sem escrúpulos, tudo e tudo, mas também a vontade férrea e decisão absolutas em fazer tudo à sua maneira, só mesmo à sua maneira. Perdeu a equipa inteira? Melhor ainda! No fundo já bateu ele há muito tempo e consegue aumentar a fortuna e a rede de hotéis. E o poder, claro, clarinho. Sabe perfeitamente que para o little guy é só argumentos  - ou o argumento - contra a política e os políticos. Todas as palmas são bem vindas e, afinal de contas, tudo não passa do one man show. Contra tanta publicidade só mesmo muita carga de energia plutónica. Para já, para já, nem pensar, para depois, enfim,  ganhará ainda mais força chafurdando na mentira mais  para insistir que não passa tudo de fake news - é chapa ganha - seguindo adiante montanha acima acompanhado pelas pedaladas fortes de todo um exército de teóricos da conspiração, coroados em audiências titânicas. Por mim, prefiro gozar o prato com todos esses molhos de entretenimento, é muito melhor que a noite dos Óscares, por exemplo, ou que os congressos do PSD, outro exemplo. Entretanto, na Fox News e pelo menos metade dos Estados Unidos no pasa nada. Quando passar...


                       





Ar para respirar, apenas nas pequenas réstias de branco de folha não preenchida – qual parque natural cheio de verde e lagos e cantares de pássaros, depois de uma fábrica de celulose. Eram réstias que José via e não resistia a preencher, sempre era mais uma oportunidade de poder reciclar mais alguma tanta furibunda energia. Fosse ele um Pessoa ou um Kafka, ninguém o decifraria escrito. Morto estivesse, morta estaria toda uma literatura. Um escritor assim morto encerraria, para a eternidade, a chave do seu enigma, e os enigmas do túmulo não passam disso mesmo, ou melhor, dali mesmo, do túmulo, do que se alimentam as bactérias. De resto, tumulares também eram todas as folhas de todos os seus cadernos de hieroglifos ilustrados – gatafunhos que até poderiam ter em si os mais graciosos e belos sonetos de um trovador lírico, que a melhor imagem que dali adviria andaria mais próxima da impressão poluída de um qualquer tubo de escape da pior Hong Kong onde se consiga estar...

quarta-feira, 22 de agosto de 2018




Onze da manhã, Céu apareceu. Ricardo, sentado na esplanada, lia um livro de Stephen King. Vidrado pelo suspense, absorvido na leitura, limitou-se a constatar a namorada com um ténue movimento de olhar e um olá inaudível, como se estivesse numa biblioteca onde não pudesse fazer barulho. Ela sentou-se, pediu sumo de laranja, ele não tencionava pedir nada, mas deu por si a pedir um leite achocolatado, tão automático como indiferente, nem se lembraria mais tarde do pedido. Ricardo só via as linhas escritas, a telepatia de que falava King no seu On Writing surtia efeito, Céu estava fora desse encontro das mentes. 


terça-feira, 21 de agosto de 2018





Capa e paginação Rui A. Pereira, Letras Paralelas

Nas livrarias:  

Círculo das Letras - Rua da Voz do Operário, 62

Biblos Clube de Lectores - Lugar Quinta, 8, 15391 Cesuras, A Coruña

Encomendas para gn.pedro@gmail.com


sábado, 18 de agosto de 2018




TANTO QUANTO SE DIZ TOLEDO SE GRITA PELO GREGO


 

Padre nuestro,
Que estás en la Tierra,
Señor Don Quijote…

Rubén Darío

O fantasma de El Greco a cada esquina, as camadas históricas, quais eras geológicas combinadas numa sinfonia de tempos, entre os quais o da capital de um império. Dos romanos à capital visigótica, dos mouros sob o domínio de Córdoba aos reis católicos e à projecção da gesta marítima via Sevilha. O Islão, os judeus e os cristãos-novos. Toledo carrega com os tempos e hoje não nega nada. Os espelhos de espadas, a tela de névoas, a poeira da história, por detrás da cortina, o olhar de El Greco a beber-lhe a essência, assombrando pelo génio, tanto que quando se diz Toledo se grita El Greco. Toledo, lugar do ferro e do aço onde se engendra a espada, ande-se pelas ruas, cercadas de sabres, cada arma a querer declarar a sua individualidade, a poder dizer que é (de) alguém, claro que das verdadeiras chegam segredos desde os romanos condensados nos templários até ao apogeu do império quando Toledo ainda era a capital. Pensar que o Tejo a unia a Lisboa, como dos barcos a sair de Sevilha e Cádiz vinham os estudantes de Sagres, que esse verdadeiro sabre que vem da catana portuguesa associado pelo mundo as Japão tem no meio da península um outro lugar de desconhecidos segredos. E a boa velha que Miguel de Cervantes era visita da casa, tomando parte das Rotas de Dom Quixote. Era esta a Espanha do inventor do seu idioma. 











sexta-feira, 17 de agosto de 2018

117.




MULTIVERSO


1.

Tudo é oculto
Tudo é organismo trabalhado
A aparência
A aparência é oculta

O organismo imaginado. 


2.

Vírus ou tudo cheio de água a encher o poço. Navegaria o futuro ali fechado, encerrado, dentro desse poço. 


3.

Aspirá-la para ser aspirado. Vida própria dona da outra, alheia da outra alheia, crescimento das raízes do medo. Dar dali meia volta e ir embora não contempla um novo encontro... 


4.

A ideia é escrever sempre. Estar sempre a escrever. Escrever como se respira. É preciso escrever. É preciso escrever mas não é possível escrever o tédio de uma manhã na TV sem que a folha saia do ecrã por melhor que seja a literatura. Porque para escrever é preciso escrever, é preciso ser preciso escrever o preciso escrever preciso. Escrever preciso escrever. 



5.

Conhecer toda a gente nada tem que ver com desenvencilhar-se do trânsito


6.

A cidade onde não pudemos ir 
Pode ser uma metáfora
Uma imagem
Ela no hospital 
Eu aqui
Tenho reservadas as minhas forças
E uma palavra pode valer mais que qualquer fome
A dieta urgente de passado
Pela tua saúde
Não vale a pena repetir a dose.


7.

Saber que Maomé é que tem de primeiro ir à montanha. 

Saber que o Universo vem de muito mais longe que Andrómeda.

Inscrever a palavra nos talheres da mesa.

Falar escrevendo.

O serão com as sobrinhas. 

Ir para o próximo verbo, não em mim mas no próximo, sempre o próximo...


8.

O paganismo é sagrado
As leis pelas estações da Terra
A ciência pela natureza 
A concepção da criação humana
Com forças que transportam as ondas do mar
Pelas leis da lua
Construir uma casa de montanha na cabeça
Ser uma assembleia.


9.

Ou se escreve no momento ou já não se escreve. Entretanto o sol entra em casa como um forno, há pressão quando chegam as noticias. 


10.

Pensava que seu jeito era uma forma de sabedoria. Ou então, vá-lá, de arte, vá-lá, de estilo. Sacraliza a leitura para se proteger - a estante era uma represa, protegia-o do mau olhado.


11.

Amuralhado lá ia remetendo as várias notas de intenções. Não se enganem: não era tanto a pureza do campo como o terror da cidade....


12.

Exagerando a dose de força pelo excesso de disciplina
Não tenho força nem lucidez nem porte 
Para mergulhar no Poço 
Onde me é reservada a indiferença.


13.

O casco de foguetes, a agulha do gira-discos
Eduardo Galeano e Camilo Castelo Branco
Dane Rudhyar pensando o centro do Multiverso
A estação de comboios de Cascais
Madragoa é a última pista.


quinta-feira, 16 de agosto de 2018

116.



ZAFRA


O sol dispõe as ruas pelas casas de dois andares
Algumas de um 
Todas caiadas de branco
Como no Alentejo
Aqui a paz é a mesma 
Quando não é interrompida pela eloquência espanhola
Mesmo assim, na Estremadura espanhola o porte é o mesmo
A mesma recta serenidade
Uma ética de paz com trabalho
De pão com descanso 
E o amarelo do campo
Porque é que o Alentejo não tem também uma bandeira verde? 
As anedotas, o vinho, o queijo de Serpa, a açorda, as migas
Os montes, o turismo rural, a costa alentejana
As estradas até Monchique que são de morrer
As aldeias com a maior taxa de suicídio
É preciso ir até Silves,
Para ouvir era uma vez um tempo, ou até Mértola
É preciso ir até Mértola
Dizer que também somos Mouros
Porque o azul do sul é cor da areia
E estende o mar até Marrocos. 


quarta-feira, 15 de agosto de 2018

115.


O SOL E A LUA EM COMPLETO ACORDO

É um ritual de purificação diária
A água até pode ser suja, putrefacta
Enquanto medita o copista
Existe a forma como respira
Só que o artista levanta a noite com as manhãs
Amando as tardes
Abre os rios às janelas
Vê as estrelas (da era do vinho)
Por onde espreita os deuses.

terça-feira, 14 de agosto de 2018

114.


ONDE ANDARÃO TODOS AGORA?

À saída alguns becos metem medo
O que vale é que já te mostraram Vigo antes 
Ida e volta entre Balaídos e o casco histórico
Aqui chamam costas às subidas 
Claro que pensaste no mar com o suor quente no teu corpo
Estamos no Ano de Zeus na Tempestade
E há um miradouro a ver de tudo
A 1906 é uma cerveja óptima para conciliar 
Dois irmãos que nunca se deram
Lobos de alcateias distintas
Criados em redor de colheitas 
A única hipótese é esquecer as cercas
Onde andarão teus pais agora
Entre nós havia gente que esteve
Em Roma no tempo dos títeres
Ensaiando odes metálicas.

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

113.


ESTO ES LO QUE HAY

Chegado aqui 
Corrente turva
Poço de indecisões
E silêncios
Mortos
A embirrar com todos os gritos de Agosto
Já sabia ao que vinha só
Que a saudade era um grito que doía fora
Do jogo de toda a família
Dos amigos
Dos músculos que eu nem fazia ideia que tinha
Da falha que nasce das raízes
Sim, a saudade é átomo mútuo que se dissipa
Corrente condensa ao mar do esquecimento
Dos ostracismos da timidez 
De tudo
Reflexos de um real que agora 
É erva verde e um charco 
Ou um lago real encolhido
Como se pedisse desculpa
Numa estalagem em Espanha

DANMARK 1984




As pessoas da infância aconteciam como aconteciam
Simonsen caiu lesionado no primeiro jogo do Euro 84
Proeminente na colecção de cromos e nas repetições com R no canto superior direito, ficou só a queda e maca que o transportava
Adeus Simonsen, olá Preben Elkjær Larsen! - e os seus amigos Søren Lerby, os irmãos Morten e Jesper Olsen, o Arnesen, o Jan Mølby do Liverpool, o Michael Laudrup a vir aí muito novinho etc, etc e etc - mais tarde de azul vestido com riscas ténues em amarelo, e o Verona dessa revista Foot era campeão porque gastou dinheiro até nunca hoje - também vinha em destaque na revista Onze, francesa, muito mais moderna  cheia de gráfico estilo. Saber que ali os guarda-redes eram amadores e faziam figura: Ole Kvist que se movia pelos postes de um lado ao outro, a gritar aos defesas, dos nervos que eu não via...
Nada ali era para ser questionado, também não me inteiraria de modo algum vez alguma acerca do estado de Simonsen na enfermaria. Também só saberia uns trinta anos mais tarde, não sei se é verdade ou se é mentira que Elkjær Larsen malhava forte no whisky...