segunda-feira, 31 de julho de 2017

75.

O caderno até tem lombas do uso da areia
Inchado pelo sol e pelas águas salgadas
Curtido em sal, isto sim, é um corpo caderno
Pensar como esse personagem de Sam Shepard cartografando
As milhas diárias combinadas com a mochila preta de moto 
Aos anos salgada e eu
A escrever isto antes de mergulhar no mar banhar
O caderno porém não se limpa
Em qualquer duche aguentará
Na chuva sobre a água 
Em poças sabemos nós 
Lá quando algum homem já não existido
O encontrará por entre os lixos
Fulano numa lotaria há um mês
Beltrano que já não é de agora

domingo, 23 de julho de 2017

74.

Passas o tempo a pensar e não escreves
Quando falas (isto sabendo que a tua fala 
É confusa e que só realmente puxas das palavras quando te apuras)
E alguém diz que isso devia estar escrito
Como uma ordem 
O acto de cozer  
Distintas formas os labirintos
Milenares formas de contornar
Lanterna a reflectir a parte mais líquida
Da rocha que desenhas
Do mundo que a tudo insiste
A dar a moeda ao mesmo ao mesmo mesmo
Absoluto 

sábado, 22 de julho de 2017

73.





1. 

Despertar por despertar. Mensagens com Tiago Gomes via Aljezur. Estou na costa alentejana, Vila Nova de Milfontes. E encontrar o mesmo Sam Shepard faz uns bons três anos. A temperatura e o artesanato bruto daquela escrita é me mais benéfico para minha metafísica que muitos tratados de literatura, filosofia, astrologia. Enfim... daí falando é toda uma outra astrologia, terra que só arde de vez em quando. Antes tinha visto os Diários do Kafka, também internos na estante da papelaria-livraria todos estes anos.  E antes vira Inês, vive na vila, sua irmã que eu vi bebé aos vinte e poucos é obviamente uma mulher feita. O irmão mais velho, já se divorciou, vive no Qatar, é piloto da Qatar Airlines e põe fotos aéreas estupendas no Instagram. Adiante, siga, café e croissant com queijo na Mabi, frango de churrasco para almoço. Depois uma conversa com o meu irmão que é aficcionado total do ténis, para aí desde Agassi. Fui eu que puxei o assunto a Federer por causa do David Foster Wallace. Então a conversa entre-cruzou. Tudo muito bem patinado. A expensas do meu irmão, claro. 


2. 

O amor ressente-se por outra coisa, porém. É o despertar para o despertar. Até ao dormir eterno. Pelo menos desta vida. Há que despertar. 


3.

Auden sobre Kavafis, na praia, sobre Paul Valery, por causa das coisas e de tudo aquilo que eu não sei, que é tanto tudo que o que eu mais devia é ter juízo. E despertar, pelo menos nesta vida.


4.

Empenho-me em dar um mergulho. Que grande sorte tenho eu em desde dia um de Junho já me ter banhado umas vezes nas águas espanholas do Mar Cantábrico de Santander, e nas costas galegas de Vigo e Pontevedra... E digo bem alto que em El Sardinero a água estava mais quente, e que Nigrán bastante mais quente estava. Não sei o que deu à foz do Rio Mira. 

5.

Mergulho. Bem precisava dessa alquimia. Solução de Verão eterno.  

72.

Falava-me nessas fotografias que tirava da gente comum. E como todo um meio, de mira em punho pontiagudo a acusarem o caminho mais fácil e óbvio, pois então, desistidos de fotografar gente até ao final dos seus dias. Calos de corpo, calos de vida, ó que coisa. Estação do Rossio. Lisboa turística a receber espécies. E Lisboa já não era Lisboa e Barcelona é quase toda a Barcelona que nós sempre conhecemos excepto que é Barcelona. Como todo o Alentejo que é Alentejo ainda não é um produto inventado por uma marca que apanhe a sua essência isolando sua fórmula química em laboratório afim de sintetizá-la consoante os padrões de um supremo algoritm advisor.

terça-feira, 18 de julho de 2017

71.


Penso o fundo 
É o que procuro
O senso de propósito
Não encontrei mas respiro-o
Algures


Toda a ideia de melhora
Acompanhando a dor carne viva
Retirando-me o discernimento 
Ao Deus-dará seguindo
O trilho a que estou obrigado


A poesia dança dimensões através da linguagem.

A escrita melhora o pensamento deixando encarnar o intuído pelo poder e o dom da transcendência. Traz respostas perguntas poder mágico. 

A ideia de todas as milhas percorridas não deixa de me assombrar o entendimento. Mas também não deixa de fazer acreditar em todos os milagres.


Seu posto, enfim, seu posto onde lhe é permitida ver desenvolvida sua ficção que nada mais é que ele próprio concebido pela explosão nuclear de sua própria estrela. 

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Do Ar



CABEÇA DO AR

Cabeça no ar, sempre no ar
Vendo as coisas no ar
Sempre do ar
Voar
Sem ir parar
Ir dar
Não dar
Até cair 
Em terra ou no mar
Ou na lixeira, algures, ligeira
Dos sentidos
Sentidos a dar
A algum lugar que é nenhum 
Lugar a dar 
Não dar


***


AR AO AR

Deixa-te desse teu terra a terra
Produto da terra
De quem está na terra
É realista, sim, e pertinente, muito
Mas não para quem está a voar neste preciso momento
O preciso momento a grande altura
No que são precisos acima de tudo bons propulsores

domingo, 16 de julho de 2017

70.



CASA SETE 


Vivemos em tempestade
Latente
Por vezes anuncia-se 
Outras vezes
Não

***

A arte sublima a dor
A arte decora o interior
Pudera
Ela que o recria

***

Se tomares do alcatrão um continente preto
Perto dos pés a pesar o sujo
Negro talvez 
Cinza todo textura
Como tudo o que há


Bisavô Francisco Ernesto




Há quem diga que foi sorteado o contemplado 
O tiro, o acto heróico de José Júlio - «Foi um acto heróico, o do Zé Júlio!»
Fez-se História 
Reza assim: 
"Ao despedir-se a sós, Ernesto Góis chorou e pediu que desistisse do seu intento, pois alguém se encarregaria de livrar Portugal do tirano. José Júlio deu-lhe uma declaração defendendo a União Sagrada e pediu que a desse a conhecer depois da sua morte, pois estava certo que pereceria perto com Sidónio."
Etc, etc, ou etcetera...
Depois há quem se interrogue
«Como é que aquela carta estava no bolso de trás das calças?»
Passaporte para a cadeia
Verdade é que do Chico Ernesto só me ficou uma foto
À imaginação, o meu avô, adolescente, tomando a família pelos pulsos
Olhando Hitler ao longe, Franco mais perto, Salazar presente
Estranguladas décadas in extremis a conseguir
Forçar a suportar
O inclinado desvio o beijo da morte
O cumprimento num tiro - «Foi o que foi...»
O herói da imagem, ou a imagem do herói
Pensar que tudo é melhor que nada
Vergada a coluna toda
A chegada à morte
Paralela.

sábado, 1 de julho de 2017




Frente ao Farol: El Sardinero
Mas só penso nessa praia andaluza, em Almeria
Desértica, uma esplanada de três mesitas, um casal amigo daquela noite 
No Folhas D'Erva, um ano atrás, caminharei então
Agora o caminho é cada vez mais a caminho 
É que a montanha se tornou planície 
Onde estou, como hei de saber?
Nunca vi um explorador de antemão
Mesmo assim direi que sempre na praia
Pode ser defronte à ilha, num café rude, a dar autentico
A beber uma Estrella andaluza, Damn, atiçou-me a memória