segunda-feira, 30 de abril de 2012

Peões e números


Em "The Wire" como aqui agora, a escola não serve propriamente para aprender, a criminalidade não é um problema propriamente a resolver. Ordens são ordens, servem números que servem vereadores, mayors e senadores, ou tenentes, majores e coronéis. Ao topo chega-se pelo jogo das estatísticas. Quem não o aceita renuncia às vantagens, são as excepções, na maioria dos casos - e dada a conjuntura de tudo o que rodeia o negócios da droga com seus lucros titânicos e colossais, ou o poço sem fundo da corrupção - os promovidos tendem a ficar por cima. De vez em quando, por qualquer sentido de justiça, mérito dos honestos, ou porque também os vilões têm inimigos, alguns ainda perdem à grande. Para quando mal possa regressarem rejuvenescidos, com um guião certo e novas cartas na manga ou debaixo da mesa. O que conta são os números. Números. Aldrabar estatísticas faz parte. Esconde, ilude, promove, evita chatices. A imprensa é um problema? Douremos a pílula. O ar está irrespirável? Não é com alarmismos que se vai lá. Há muito território para conquistar. As coisas são como são. A cores ou a preto e branco.

Não admira pois que possam também coexistir no mesmo pardieiro traficantes honestos, heróicos e com bom fundo como Omar Little ou D'Angelo Barksdale e policias do mais crápula, medonho e escorregadio como William Rawls e Ervin Burrell. O jogo mistura gente moral, imoral e amoral em ambos os lados do tabuleiro. Pode ser tarefa impossível passar para o outro lado como nos mostra a série em casos e mais casos, praticamente todos com sustentação verídica na cidade de Baltimore, que segundo o autor David Simon terá pouco de Nova Iorque, LA, Washington DC ou Chicago, mas que é bem representativa da cidade média norte-americana. Não duvido que tenha também um pouco da nossa realidade. Números à parte, lidamos com o mesmo.  Ligamos com o mesmo. 

domingo, 22 de abril de 2012

New Rose Hotel

Há dias em que nos podemos perder como num filme de Abel Ferrara. Dias falhados espelhos de filmes falhados como "New Rose Hotel", filme tão bem falhado no seu papel de falhado que até arrepia. Dias em que se vai à procura de uma coisa sabendo de antemão que ela já está longe, muito longe, talvez para sempre. Cruzar as ruas como um desconhecido. Passar pela net como um viajante à pressa num café de Shangai. Estar bem e mal assim. Estás com bom aspecto, diz-me ela, quando eu julgava que era a cara de um antigo aldeão de Moimenta a avistar pela primeira vez umas escadas rolantes. Li que Abel Ferrara fez agora um filme sobre o fim do mundo. O que há mais para aí são cowboys da meia-noite. 

Caíu-lhe mal

Foi a correr para a folha como se estivesse prestes a vomitar.

Dados ao lixo

Pequenos dramas surgem com a crise. De dinheirinhos, poderesinhos, tudo parece talhado e moldado à migalha. E a caridadezinha, cresce tanto a caridadezinha. A resistência ruiu, as ideias vergaram-se e, lá está, a migalha. Quase ninguém parece dar conta que com tanto imposto, corte, desemprego e o tal tão necessário empobrecimento só no primeiro semestre o défice duplicou, a receita diminuiu, o saldo da Segurança Social caiu, a bem de quem a quer privar, perdão, semi-privatizar. De nada serve, as sondagens não enganam, o discurso do pobre passa, funciona, o medo empurra o resto. O desastre Seguro e a deriva e falta de senso e músculo da esquerda não explicam tudo. Não podem. Daqui a mês e picos começa a histeria, as bandeirinhas, as enchentes no Campo Pequeno e no Parque das Nações. Mais medidas a doer virão, com muita sorte, em rodapés de noticiários. Gritaremos todos: Portugal! Portugal! Portugal! Sem nos esqueceremos de dar uma esmola ao próximo. Amanhã sempre podemos ser nós. Caridosos pobretanas. Amén. 

terça-feira, 10 de abril de 2012

Rugímos


Devo concordar com Nelson Rodrigues, "bola ao poste é bola mal chutada". Mesmo pelo nosso Czar, mesmo um remate daqueles. Mas foi lindo o banho, de público e de bola

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Santa Sexta-feira

Quando era criança pensava muito em silêncio, deitado, a olhar o tecto, horas, a situar-me, a compreender. Acabava sempre revigorado, afinado, o que durava pouco. Mais tarde - talvez na alta adolescência - deixei-me disso. Seguindo a cantilena de o que não me mata torna-me mais forte, tornei-me num género de todo o terreno cheio de lama e tracção ás quatro rodas. Pelo gozo dos saltos, pela adrenalina, pela velocidade, pelo amolganço mútuo, pelo vigor físico, por tudo isso misturado, não sei dizer. Pensando para o tecto podia ter chegado à conclusão que não existe corrida, ou então que existem tantas corridas e tão variados circuitos quantos os que possamos imaginar. 
Agora páro para pensar. Pensar no que tem de ser pensado e pensar no que não tem de ser pensado. Há demasiado ruído. Demasiados todo-o-terreno a chafurdar na lama. E uma mão que me puxa para a suposta corrida e uma mão que me puxa aqui para dentro onde ganho tudo o que é tirado pelo absurdo da multidão. Deixo-me levar pela segunda. O silêncio não seria o mesmo sem o arrastar dos móveis do vizinho ou os carros que passam em compassos longos de feriado. Ou o avião que oiço agora. Vem-me à memória Sean Penn em "Thin Red Line": in this world a men himself is nothing, and there ain't no world but this one... E todos podemos acabar numa cruz num qualquer dia igual a este.  Uma santa sexta-feira. 

domingo, 1 de abril de 2012

Mark Lanegan, Lisboa, 31 de Março




Numa coisa tive a mesma sensação que tive com Kurt Cobain dias antes do fatídico dia: a de ausência de bullshit, ou em bom português, de merdas. Não houve cá "obrigado", nem "boa noite Lisboa" como ouvi no péssimo concerto dos Rolling Stones no Alvalade XXI. Mark Lanegan não precisa disso, a ele podem chamar "a voz" que, imagino, Frank Sinatra não há de levar muito a mal. Daí que tendo tocado uns 75% do tempo um ultimo album manifestamente mais fraco que os restantes, deixou-nos a todos saciados ao tutano e com as medidas cheias. E, não vá ele ter algum dia fatídico, há de  voltar de certeza absoluta. Sem graxismos, Lanegan praticamente o declarou. Não há de Mark Lanegan ser Mark Lanegan?