sábado, 22 de setembro de 2018

       




“The world is like a ride in an amusement park, and when you choose to go on it you think it's real because that's how powerful our minds are. The ride goes up and down, around and around, it has thrills and chills, and it's very brightly colored, and it's very loud, and it's fun for a while. Many people have been on the ride a long time, and they begin to wonder, "Hey, is this real, or is this just a ride?" And other people have remembered, and they come back to us and say, "Hey, don't worry; don't be afraid, ever, because this is just a ride." And we … kill those people. "Shut him up! I've got a lot invested in this ride, shut him up! Look at my furrows of worry, look at my big bank account, and my family. This has to be real." It's just a ride. But we always kill the good guys who try and tell us that, you ever notice that? And let the demons run amok … But it doesn't matter, because it's just a ride. And we can change it any time we want. It's only a choice. No effort, no work, no job, no savings of money. Just a simple choice, right now, between fear and love. The eyes of fear want you to put bigger locks on your doors, buy guns, close yourself off. The eyes of love instead see all of us as one. Here's what we can do to change the world, right now, to a better ride. Take all that money we spend on weapons and defenses each year and instead spend it feeding and clothing and educating the poor of the world, which it would pay for many times over, not one human being excluded, and we could explore space, together, both inner and outer, forever, in peace.”


terça-feira, 18 de setembro de 2018

123.


TIO

Nasceu em Lisboa
Voltou para Guimarães
Aos dezoito foi para Paris
A vida em Paris
Pai de Angola
Morreu o ano passado
A vida em Paris
Trolha até conduzir um táxi
Até abrir uma empresa de motoristas
Até começarem os atentados 
Somando à crise, o Uber, a mulher em casa
Dois filhos, a mais velha já no terceiro ano da universidade
O desemprego
Agora trabalha aqui, café português, um outro ao lado do hospital
Está cá a família da mulher
Tratam-no por tio. Afinal é tio, y e es un buen tío
Em Portugal seria o Alex
Portugal já não é o que era.


segunda-feira, 10 de setembro de 2018

122.


Ajuda pensar que o negro vai ao infinito
Assim todas as partes podem sempre ser preenchidas
E tudo de tudo o que for possível
Nunca sairá da areia 
Na mão
Fosse ao contrário teríamos de inventar o negativo 
Do quadro 
Criar o negro 
E nem sequer chegaria a ser 
Negro seria
Elementar
Trivial.






quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Revista Palavra Comum


A Farmácia, conto inédito para a Revista Palavra Comum. 

«Custava-me ver a equipa atormentada, cada mês, cada funcionário, só o chefe se mantinha. O nevrótico no ar, na respiração do lugar, na voz ríspida, no trato. Tratava tão mal os subordinados que todos desertavam até serem substituídos por outros que, já se sabia, desertariam num piscar de olho. É preciso de vez admitir que existem criaturas tão nocivas que muitos acabam por ter mesmo de ir parar a uma farmácia. No meio de tanta toxidade, o tédio aqui é a serenidade em essência. E a senhora, voilà, eureka, está já a pagar a conta. Agora é só ver se não fala mais nada enquanto dá meia volta até à porta e adeus. Mas isto ainda não acabou, o outro dia foram uns bons vinte minutos e o filho em Londres e a prima doente e Deus nosso senhor e o diabo a sete… Sim, a farmácia também é lugar de misericórdia. E de lucros atómicos atreitos ao Big Money. Mas aí precisávamos falar dos lucros do Vaticano. Vivemos num mundo de Indústria e lavo daqui as minhas mãos com o anti-inflamatório e o paracetamol

Grato ao poeta Tiago Alves Costa pelo convite.

121.


NAVEGADOR SOLITÁRIO

A força da gravidade é para todos a prova que existe a lei
De estarmos vivos e de cairmos
De vez na terra
E se não há escape às leis da física, também não há escape às leis do espírito
Puxamos as cordas do presente, aproveitamos o vento
Assim nos vamos libertando
Se conseguirmos ser corpo para o alimento 
Seremos o próximo, para o próximo.

Não podemos é assumir eternamente
Que todos os mortos estejam todos mortos 
Ou que o tédio do mundo só por si justifica
A invasão dos nossos domínios
Até que tudo seque por falta de água 
Como se o paraíso fosse uma cidade
Encostada a ti encostada a mim
Credo atrás de credo
Erro atrás de erro
Como se tudo fosse só isto e umas linhas 
Medidas a Lisboa
Só porque Lisboa era o Multiverso
A décima primeira dimensão
A saída dentro da entrada
Se não estamos vivos, respiramos terra
Só não sabia que era necessário dali inventar a Academia inteira
Ou que Lisboa já não podia ser Lisboa
Foi preciso escavar tanto debaixo da terra
Que até comecei a expelir fogo
Então banhei-me nas águas 
Arrefeci meu lugar. 

terça-feira, 4 de setembro de 2018

120.


ASPECTO AO ESCORIAL

Há sempre essa viagem que te joga agora
Tecendo os fios do remoto
É preciso ir visitar os monumentos
E dos monumentos, o Monumento
Ao último sopro de um cansaço
A porta aberta do quarto de Filipe II de Espanha 
Sob a basílica do Escorial
Forma de ouvir missa, deitado
Com gota
Para ser mais fácil o perdão divino
Antes ter sido um agricultor
Séculos depois
Um agnóstico que por ali passou ficou tão confuso que não sabia 
Se antes viu Deus ou um deus 
Entre o diabo
Havia duas salas
Na primeira, todas as dores do mundo, penas dissolvidas, toneladas
Comprimindo todos os corpos
A luz a cerrar sobre si própria em séculos
Lágrimas medievais do medo 
A salvação teria de estar na outra sala, a alegria branca, mais ao fim
O branco da redenção
Na pintura e no silêncio
Afinal de contas não estamos completamente alheios
Há sempre um grau exacto
A coincidir com o rei Dom Carlos
Há sempre um termo ao ar da quebra
Há sempre um aspecto ao nada 
E ao infinito.

119.


ÓPERA

No inconsciente colectivo cantamos uma ópera
De protesto uníssono incondicional
É emitida no momento 
Rente à porta do sono 
Profundo canal entre o espírito e o mar.
Vem de um fundo das fossas entre as fogueiras antes 
Ainda não a acabámos
E não sairemos daqui enquanto não encontrarmos o tom certo
Pode ser outra eternidade
Pode ser a voz que nos falta
O desconhecido é o maestro


domingo, 2 de setembro de 2018

BIBLOS - Entrevista

          
 


Carla Amado
Responsável do Camões - Centro 
Cultural Português em Vigo


Diz-se que o conto é um dos géneros literários mais difíceis de escrever. O Pedro escreve sobretudo poesia e contos. Porquê?
Por acaso até comecei por outra forma. Escrevi um romance inteiro, ainda não publicado, com o propósito de escrever um conto. A história em si acabou por ir aumentando, por gerar mais e mais enredos e ramificações, tendo-se tornado impossível que se cingisse apenas a um conto. O que é curioso é que acabou por oferecer matéria de histórias para este livro de contos e talvez para o próximo. Também há contos no Praia Lontano que podiam perfeitamente ser trabalhados dentro do romance. Por exemplo AuroraSou Daqui, o próprio Praia Lontano, que dá o nome ao livro, cada um se assumiu como um desafio. Tomo o conto como um desafio, penso-o como uma disciplina com as suas regras estritas, severas, por vezes próximas da arte de relojoaria. Um pouco no sentido de Borges quando dizia que, idealmente, o conto não teve ter uma palavra ou vírgula fora do lugar. Se me puser a pensar nos contos de um Tchekhov, Dalton Trevisan ou Raymond Carver, de facto, posso entender o conto como a mais difícil das formas literárias. E também a que é dado o menor valor e visibilidade, o que é uma grande injustiça. Tenho plena convicção que quem consegue escrever um conto a sério pode escrever um romance, já o contrário parece-me bem mais complicado. 

Em relação à poesia, tendo a, ou tento, escrever mais poesia. A poesia acaba por estar mais presente, seja no mistério das coisas, seja no indizível, no indecifrável, no que não é possível comunicar de outra maneira, no que se revela não revelando, ou vice-versa, é um forte meio de catarse, purifica. Já o conto ou o romance é mais terra-a-terra, não vive na água, é mais físico, o próprio ato de escrita é mais físico, esgotante, precisa de energia, de potência. Norman Mailer dizia que todo o escritor é um atleta, compreendo-o perfeitamente. Mesmo não me considerando um atleta, considero-me mais contista que poeta, penso mais como escritor. Sou definitivamente melhor contista que poeta, se as coisas se podem pôr dessa maneira. 
    
O conto que dá título ao seu mais recente livro intitula-se “Praia Lontano”. Onde fica Praia Lontano? Que lugar é este na sua imaginação?
- Fica tão longe quanto a palavra nos levar. Geograficamente estará ali para os lados da ilha de Santa Helena, não podendo estar em pleno Mediterrâneo... Mas situo-a em muitos lugares. De Stromboli à Atlântida, o que sabemos é que é um lugar tão longínquo como escondido, que estamos no lugar do vulcão, perante a catástrofe eminente. Lontano é lugar de exílio, para o exílio, sobretudo para se viver tranquilamente exilado. Será uma ilha esconderijo onde as pessoas ter-se-ão alheado do próprio crime. Onde tudo o que desejam é que as deixem em paz. Como se diz em Espanha, «no quieren tratos con nadié». Mas não são propriamente parasitas, vão subsistindo da maneira que podem e sabem. Decidiram foi abandonar o barco, certo mundo tirânico do trabalho. 

Num sentido mais mundano talvez haja ali reminiscências dos Açores, quanto mais não seja na percepção da insularidade. Há muitos anos atrás andei pelas ilhas trabalhando para um operador turístico e tomei consciência e sentido dessa realidade. Tive recentemente o feedback de um leitor que me disse que teve uma vaga noção de ter regressado às ilhas. Ora ele viveu e trabalhou nos Açores muitos anos. Fiquei muito contente, qualquer coisa como ter recebido uma medalha.

A Galiza, Vigo, também aparece nesse conto. O que o liga à Galiza e a Vigo, mais concretamente?
Galiza é a nação onde vivo - num país de nações, onde me sinto em casa, onde me sinto identificado desde a primeira vez que entrei por aqui adentro pela província de Lugo em finais dos anos 90. Logo ali fiquei siderado com as semelhanças com Portugal, não no sentido de ser parecido mas de ser mesmo Portugal. Depois os galegos são um povo magnifico, acolhedor, autêntico, sinto-me muito bem aqui, sou muito bem tratado. Dou-me maravilhosamente com estas gentes. A Galiza pode não ser um país independente mas é definitivamente uma nação. Está na raiz de Portugal, toma parte dessa fascinante variedade de nações que é a maravilhosa Espanha, está impregnada pela nação Celta até às entranhas, basta ouvir a sua música. Também adoro a comida, as feiras e as festas, os pueblos, a própria literatura que vou conhecendo e que me entra muito bem pois a estrutura da língua é similar. 

Já o personagem de Vigo surgiu durante a escrita do conto. Não foi nada premeditado. É absolutamente extraordinário ter lançado o livro em Vigo, depois de o ter lançado em Lisboa. Fosse planificado não teria um centésimo da graça. E o personagem ser galego. Nada ter sido premeditado tem tanto de transcendente como de misterioso. E fazer todo o sentido.

- Lisboa é o centro da grande maioria dos contos deste livro. O Pedro é de Lisboa, mas vive agora na Galiza. O que significa Lisboa para si, literariamente e pessoalmente falando?
Há um filme de Jorge Silva Melo -  António, um Rapaz de Lisboa - com que senti uma imediata identificação. Um dia li uma entrevista, creio que do Pedro Mexia, em que ele assim se identificava, e nos identificamos tantos, tanto!

Entre tantos eus que posso ser ou encarnar começo e acabo sempre sendo o rapaz de Lisboa. Rapaz de Lisboa e pronto, ponto. Lisboa é a minha cidade, a minha pele, aquelas são as minhas ruas. Lisboa é a única cidade do mundo onde poderia andar de olhos fechados que não me perderia. Sinto em mim impregnadas as suas formas, as geometrias, a luz. Posso deixar de viver em Lisboa, Lisboa é que não deixa de viver em mim. Por outro lado há essa tal coisa, a tal, enfim, essa ironia tão portuguesa: sou muito mais Lisboa agora do que quando lá estava, Lisboa está muito mais em mim agora. Acho que até a própria Lisboa gosta mais de mim agora. E eu de Lisboa. Daí que me irrite tanto com os turistas quando lá vou, é como se me roubassem a cidade. Também me irrito se não me largam da mão, ou se me puxam demasiado para combinar coisas, como se me patrulhassem o tempo, é como se não me deixassem estar com Lisboa, sinto assim a coisa, esteja certo ou esteja errado. Se já me aconteceu umas duas ou três vezes ter vontade de pegar no carro às duas ou três da manhã e meter-me na autoestrada só para ver Lisboa amanhecer... E depois voltar para a minha Galiza para dormir a sesta. 

Nos seus contos perpassam também outros autores e referências a outros escritores, assim como, nalguns casos, faz mesmo reflexões grandes sobre a escrita. O que mais influenciou a sua escrita? Em que autores poderia dizer que se deixa inspirar?
Para poder-se escrever, ou para poder escrever-se a partir de uma certa fasquia ou nível que valha a pena, penso que além do sumo do talento é preciso ter vivido ou lido bastante, saber algumas coisas que os outros não sabem, ou filtrá-las de uma maneira que o outro não faça ideia, que o desconcerte, que o surpreenda, convém ser absolutamente original, não a cópia de alguma coisa. O que só se ganha quando nos ganhamos a nós próprios, o que tem tanto de autoconhecimento como da capacidade de apanharmos a nossa própria expressão, esse chegar a ser o que se é, de que falava Nietzsche, que não mais é o feito de alcançarmos a nossa própria Voz com V grande. Para isso é necessário ganhar mão, o que só se consegue com muito treino, muita prática. Nisto uns são mais precoces que outros, outros têm mais sorte, outros têm a obrigatória e espinhosa missão de descobrir o que têm soterrados dentro se si próprios... As minhas influências são dispares. Vão de Jorge Luís Borges a José Cardoso Pires, de Charles Bukowski a Agustina Bessa-Luís, de Alexandre O´Neill a Machado de Assis, de Nuno Moura a Sherwood Anderson, de George V. Higgins a Fernando Pessoa, Saul Bellow, Dostoievski, Jorge de Sena...



       


sábado, 1 de setembro de 2018

118.


MINERAL

A queda de água 
Na cascata
As quebras de água
Pedradas
Fora rio caindo
Caindo noutras
Outras cascatas 
Descamba a água 
Toda a água
Sincronizada
E é o que somos, vertigens 
Desordenadas 
Águas 
De todos os rios 
Todas as torneiras 
De todas as casas
Ainda há quem queira 
Fixar a forma 
Também há quem pense a figura em leis
Puras de rigorosa geometria
Psicológica de forma a poder reflectir-se 
Sobre si própria
Como se por si só pudesse fazer brilhar 
O mar.




Uniam-nos os romances de John Le Carré. Agradava-me sobremaneira essa passagem sensível dela, por exemplo, entre a beleza sublime de uma interpretação de Haendel e a alta política pura e dura da espionagem. Não a podendo interpretar musicalmente, surpreendia-se com a minha elaboração na descodificação de enredos. E quanto mais intrincados melhor, ainda me tornava mais elaborado. Até já evitava ler policiais, prudência minha, pudera, sempre tivera medo de me denunciar. Por mais absurdo que possa parecer, não queria deixar a mais pequena ponta solta... Já me chegava quando sentia toda a quantidade de dinheiro que tinha (e ainda terei) a entrar dentro da nossa casa. Só de pensar na batalha que tive de travar comigo até revelar o que realmente se passava... O que era a verdade dentro da verdade… O que era a verdade dentro da mentira… Só o pensar… Acabou por custar menos do que pensava. É que no fundo sabia, Aurora sentia, pressentia, cheirava, a caça eminente, a emergente necessidade de fuga, o meu esconder-me nas mais fundas pedras da minha angústia, até da minha doença, pois adoeci, não era vírus, virose, parasita, bactéria nenhuma.