domingo, 2 de novembro de 2014

DESPENSA

Ando a escrever textos para a despensa. Não se aproveitam, eu sei, mas sempre se podem aproveitar. Bem guardados e preservados, talvez um dia ainda me façam uso e já os tenho. E se vou lá buscá-los é porque preciso deles para alguma coisa. Uma despensa de textos, sim, de palavras, de frases, de ideias, de parágrafos, de expressões, coisas que não se distinguem muito das outras despensas bem ou mal arrumadas. Bem ou mel amanhadas.

Todos as têm, todas existem. Algures mais tarde que o dia de um princípio - esse arquétipo platónico da Despensa, a ideia de um princípio, o princípio da Despensa. Tenho-o aqui mesmo no Scrivener, guardado para a Dropbox. O que no século XX era para a gaveta, também o uso no bolso do casaco. Lá cabe um Black & Decker, há fita-cola, cola-tudo, chaves de fendas, chaves de pregos, alicates. Há até lá mais ferramentas de que nem sequer sei o nome. Às vezes tenho de perguntar a alguém, se não houver ninguém sempre posso usar o dicionário, ir a sítios da internet especializados, por vezes mesmo à Wikipedia. Só estou-me a esquecer do mais importante: o martelo. O martelo é das ferramentas que me dão mais jeito. 

Claro que é tudo uma questão de feitio, do feitio da despensa. Depois sim, o meu feitio lá se terá de arranjar com a forma como estão os meus escritos dispensados, guardados ou mesmo atirados à má ré por essa porta e depois fecho a porta - talvez até nunca mais. 

Essa despensa que abarca disciplina(s), mas que traz em si o mau arranjo das indisciplinas. Por outro lado - porque eu até agora apenas me fiquei pela caixa de ferramentas - não quer dizer, nem pouco mais ou menos, que vos esteja a falar de tudo. Porque, claro fica, há para lá muita mais tralha.
Por exemplo um escadote, por exemplo um aspirador que não trabalha, dois tapetes de rua, um tapete de banho, um banco partido, duas fichas triplas, quatro gavetas metálicas, madeiras várias… E ainda não toquei no mais importante: os produtos alimentares. Falo no atum de conserva, no feijão, no milho enlatado, nos quilos de arroz. Esse produtos uso mais que os alicates ou as chaves de parafuso, claro está. É quando nada mais tenho, e cozinhado ainda melhor. Se bem que dependa, é preciso aferir da qualidade do esboço escrito.