quarta-feira, 27 de julho de 2011

Numa semana


- Não era fundamentalista muçulmano, nem estava ligado a um daqueles fascistas satânicos ou odinistas fanáticos pregadores da ideologia viking e paganismo nórdico através do black metal, que entre outras insanidades, desejam que a Escandinávia largue o alfabeto latino. Não, era antes um fundamentalista cristão fascista de extrema direita com a particularidade de ser anti-nazi e matar a sua própria gente. Não me parece que este megalómano psicopata vá conseguir que outros dementes façam o mesmo. Mas venceu, mais uma vez o medo venceu. 


- O caso Murdoch passou assim naturalmente para segundo plano, as proporções do monstro a isso obrigam. O Guardian  não tem mãos a medir nos dois casos. Os restantes jornais britânicos, e não só, deixaram-se ficar para trás. E os tempos que vivemos previnem-nos a ir por quem melhor nos acompanha... 


- Amy Winehouse morreu sem surpresa mas não sem choque, e muitos dos que a tinham como um boneco de bêbeda drogadita agora vêem ali uma mártir. Quero acreditar que se ela visse o que se vai passar nos próximos tempos em redor do "mito" talvez tivesse tido um pouco mais de cuidado. Muitos dos que vão ganhar dinheiro com a sua morte são os mesmos que a obrigavam a dar concertos a agarrar-se às paredes. Andam por aí desde os tempos do Jimi Hendrix. 

 - Fernando Ulrich e as medidas da Troika, "
para o conjunto do país e para o sector público penso que é bom, mas para o sector financeiro não faz sentido". Eu sinceramente achava que os bancos tinham ficado satisfeitos com o pacote. Não me ocorreu que algumas coisas sejam TÃO previsíveis...

- O PS escolheu-se a si próprio. A piada começou com o "jovens a dias". Logo ele. Eu que me lembro do "Tó-Zé" Seguro dos tempos em que me dava com uma JOVEM fotógrafa estagiária que trabalhou um ano sem receber um tostão da JS para depois ser mandada borda fora. Foi há muito tempo, é certo. Perdi-lhe o rasto e telefone. O Tó-Zé, esse, é que nunca imaginei, nem nos meus piores vaticínios, que chegasse a líder do PS. Mas também nunca imaginei Durão Barroso a primeiro-ministro (muito menos presidente da Comissão Europeia), nem Santana Lopes, nem Pedro Passos Coelho...A política portuguesa é um tédio em descendendo. 


- Pela nova dieta do Estado, só mesmo consultando um novo dicionário

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Sinuca, Peteca e Aristóteles


Outra cousa que também me parece metafísica é isto: - Dá-se movimento a uma bola, por exemplo; rola esta, encontra outra bola, transmite-lhe o impulso, e eis a segunda bola a rolar como a primeira rolou. Suponhamos que a primeira bola se chama... Marcela, - é uma simples suposição; a segunda, Brás Cubas; a terceira, Virgília. Temos que Marcela, recebendo um piparote do passado rolou até tocar em Brás Cubas, - o qual, cedendo à fôrça impulsiva, entrou a trolar também até esbarrar em Virgília, que não tinha nada com a primeira bola; e eis como, pela simples transmissão de uma fôrça, se tocam os extremos sociais, e se estabelece uma cousa que poderemos chamar - solidariedade do aborrecimento humano. Como é que este capítulo escapou a Aristóteles?

(pags.92-93)

Meu espirito (permitam-me aqui uma comparação de criança!) meu epírito era naquela ocasião uma espécie de peteca. A narração do Quincas Borba dava-lhe uma palmada, e êle subia; quando ia a cair, o bilhete de Virgília dava-lhe outra palmada, e êle era de novo arremessado aos ares; descia, e o episódio do Passeio Público recebia-o com outra palmada, igualmente rija e eficaz. Cuido que não nasci para situações complexas. Êsse puxar e empuxar de cousas opostas, desiquilibrava-me; tinha vontade de embrulhar o Quincas Borba, o Lôbo Neves e o bilhete de Virgília na mesma filosofia, e mandá-los de presente a Aristóteles.

(pag.172)


Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Editora Cultrix, São Paulo

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Le Jenou de Claire


É certo que a inteligência do enredo, a riqueza do pormenor, a autenticidade dos personagens, a espiritualidade dos diálogos, a cor do Verão, a beleza dos lugares e aqueles impagáveis actores, entre tanto mais, nos deixam em constante estado de graça cinematográfica, algo tão corrente no cinema de Eric Rohmer como a água que jorra das fontes. Ali parece que o tempo não tem tempo e sua fruição é tão prazerosa que nem o sentimos passar. Mas pela sua geometria tão precisa e provocadora no final acabamos com mais vontade da vida que seguirá dentro de momentos...

terça-feira, 12 de julho de 2011

Lisboa - Cascais




Ao avançar na viagem de comboio reparo que o percurso continua esplêndido como dantes, à beira-rio temos beleza, ordem e progresso, Lisboa é uma cidade fascinante para quem pode, mas também para quem quer. Mesmo em frente um grupo de turistas delicia-se com a perspectiva, passamos pelas docas e debaixo da ponte, depois Jerónimos, CCB e Torre de Belém, passamos pela desmontagem do palco do Festival Optimus Alive, na zona Cruz Quebrada-Caxias vislumbramos a saída do mar com a ilha do Farol do Bugio. Vejo uma funda ironia no olhar do turista germanófilo. Talvez não passe de presunção, talvez não seja nem sequer alemão, pode até ser israelita, ou inglês, ou dinamarquês, ou ucraniano por exemplo. Mas sou um julgador de hábitos e o hábito faz o monge. Tento mas entendo que língua falam, não consigo, é o barulho da carruagem, são as conversas que se acentuam de gente para as praias da linha, são as quatro filas de cadeiras a distanciar-nos. Vou lendo Machado de Assis e as suas “Memórias Póstumas de Brás Cubas” a cultivarem humor directamente do além, antigas e cheias de estilo. Apetece-me perguntar ao escritor brasileiro que tal isto aqui agora. Iria-me responder concerteza num saber cómico fulminante-mente literário, o que nem imagino o que fosse. Talvez me fulminasse, já estou para tudo. 
Entretanto acabou de entrar um enxame de gente em Oeiras, desafortunadamente passei a ter uma senhora muito gorda sentada a meu lado, e o grupo de turistas, germanófilo ou não, sai mesmo aqui e já não vai para o Estoril ou Cascais. Eu perco a graça à leitura. Com o comboio à pinha e a berraria circundante terei 15 minutos muito longos até chegar ao meu destino. Agora sim, sinto que me levantei às cinco e meia da manhã… 

quinta-feira, 7 de julho de 2011

18h50 no Monumental



Sessão das 18h50, cinema Monumental no Saldanha, sala 3, o filme é "Tree of Life", obra-prima de Terrence Malick, só mais uma pessoa na sala além de mim. Passados uns vinte minutos meia hora, entra um casal à conversa e assim continua até ganhar juízo com aquela parte indescritivelmente bela da qual alguns cínicos e detractores do filme gostam de chamar momento National Geographic. 
Já me tinha acontecido ser eu e apenas mais uma pessoa na sala, mas foi num dia de semana, numa sessão da meia-noite no Amoreiras, e uma outra em que éramos um em cada canto do extinto cinema das Twin Towers. Agora estamos a falar da zona mais central de Lisboa e logo a seguir a um dia de trabalho quando pode ser bem apelativa uma ida ao cinema, quanto mais não seja como distracção, alívio do stress, ou conseguir deixar as coisas em perspectiva. Também não me lembro, desde os finais do Escudo, tirando na Cinemateca, de a um dia de semana ter pago tão pouco por um bilhete de cinema: 4 euros. Isto vai parar onde?

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Casa Tomada





Este assombroso e assombrado conto de Julio Cortázar aumenta sua força e dimensão lido pelo próprio. Mesmo gostando da animação penso que é totalmente dispensável, não que seja redundante, é simplesmente desnecessária aqui. 
Jorge Luís Borges disse que "Casa Tomada" foi o único Cortázar que leu porque entretanto ficou cego. Não consta que lhe tenha ouvido a voz


Ler a Ler


“Como entre bancos e clientes, a relação entre autor e leitor é uma relação de confiança: todo o edifício se desmorona no momento em que uma pessoa coloca a hipótese de aquilo ser tudo um enorme embuste, e de a gerência saber entoar a cantiguinha da tabuada, mas não saber fazer as contas.”

Rogério Casanova


“A narração e o enredo são raros em Portugal, porque implicam a colocação das personagens num espaço concreto, num cenário social, cultural e político. Ou seja o enredo implica um certo retrato da realidade. E esse é precisamente o problema: a ficção portuguesa tem alergia á realidade portuguesa. É como se os portugueses fossem indignos de aparecer na prosa supina dos nossos oráculos literários. Lemos romances portugueses, mas não vemos lá dentro os portugueses, não sentimos lá dentro o cheiro e o pó do Portugal de hoje ou dos Portugais do passado.”

Henrique Raposo


Os dois artigos onde se encontram as frases acima citadas talvez valham os 5€ da revista, Rogério Casanova brilhante a arrasar Jack Kerouac e Henrique Raposo a maravilhar-se tão bem com os livros de Rentes de Carvalho. Passando isso não há ali nada que verdadeiramente entusiasme, que nos leve nalguma direcção, que tente ao menos justificar os mil escudos da moeda antiga. Fica-se com a ideia que faltam craques á revista, mas a verdade é que há lá uns quantos que parecem estar em piloto automático a fazer um número que fazem melhor cá fora. Aproveitando a deixa futebolística, esta LER parece um bocado Casanova e mais 10. Tem meses. O mês passado, por exemplo, foi muito melhor que este. 


Um caso dos pequeninos

João Gonçalves, o Céline da direcção-geral de Finanças, o intratável revoltado inspirado em Salazar e no Dr. House, o incómodo implacável contra tudo e contra todos. O estóico e solitário lutador combatente deste mundo e do outro de gente sem o nível da sua figura. O homem das verdades incómodas, com muito Luíz Pacheco e cagalhão na tola à mistura. Poucos se têm livrado da sua pena, muito menos Passos Coelho e Miguel Relvas. Esses não se livraram mesmo: os baptismos de alforreca e Torquemada de Tomar ficaram para a posteridade, foi um fartar vilanagemAté ao dia, em que convidado, decidiu unir forças com o Torquemada de Tomar e trabalhar para a alforreca. Os valores do negócio ficam no segredo dos deuses. Moral da história: tudo está bem quando acaba bem...

segunda-feira, 4 de julho de 2011

A DANÇA DAS FERIDAS


Isolando cada caso amoroso "capturado" um a um, “A Dança das Feridas” de Henrique Fialho encontra momentos sublimes de poesia, archotes de luz no terreno do(s) amor(es) em seus encantos, desencantos e vivências possíveis imaginadas pelos seus rastos deixados no mundo: “em matéria de amores somos todos tão estultos que ainda não nos tocaram à campainha e já vamos perguntando “quem é” (Allen Ginsberg a Peter Orlovsky), “se não dependêssemos um do outro, como é que explicarias o teu cheiro nas minhas palavras?” (Henry Miller a Annais Nin), “dedos desastrados para os arames mas tão suaves para prosas quebradas em verso” (Jorge a Mécia de Sena), ou em tons mais absolutos e visionários: “o mundo é um emprego remunerado com a morte que apenas conforta a vida quando à sorte cabe um amor que não sare como uma ferida vulgar.”(STEFAN ZWEIG A CHARLOTTE ALTMANN) e que “depois estoura dentro de nós e espalha tudo numa página sob a forma de um poema e nos desfaz em partículas invisíveis e nos funde com as horas absurdas deste desconsolado final de dia” (RAINER MARIA RILKE A LOU ANDRÉAS-SALOMÉ). Ele há tanta força e variedade nos 68 poemas de "A Dança das Feridas" quanto os amores dali retratados. Quase se sente na carne a forma como cravaram suas estacas no Destino. Se imortalizaram nas suas (im)possibilidades. 
Entre os poemas que mais me são caros destaco Blaise Cendars a Féla Poznanska, Lee Krasner a Jackson Pollock, Marguerite Yourcenar a Grace Frick, Rainer Maria Rilke a Lou Andréas-Salomé, Raymond Carver a Tess Gallagher, Serge Gainsbough a Jane Birkin, Declaração, Alexandre O'Neill a Nora Mitrani, Charles Baudelaire a Jeanne Duval e Stefan Zweig a Charlotte Altmann. Ao que junto este poema abaixo. 



CHRISTO A JEANNE-CLAUDE

Quando te perturbarem as rugas
de rosto, os cabelos brancos,
as manchas que na pele denunciam
o tempo a passar velozmente,
quando escorrerem dos poros
lágrimas de suor agitado
e o vento arrastar as nuvens
para um horizonte distante,
lembra-te que a realidade mente,
que por cima da pele há sempre
uma outra pele que nos protege
da previsibilidade dos dias.
E que por mais que escondamos
a idade, a realidade mente
por não saber que para lá do tempo
há o amor que forma o tempo
e lhe confere alguma dignidade.


Henrique Manuel Bento Fialho, "A Dança das Feridas", edição do autor, colecção Insónia, Caldas da Rainha, 2011, pag.17