«Então não vistes?»
«O quê?»
«A foto.»
«Que foto?»
«Aquela foto que eu pus lá. Não vistes, pus
lá à bocado.»
«Ah! Essa foto. Vi, pois vi, então eu pus lá
um comentário...»
«Pusestes?»
«Pus, pus nessa e pus noutra foto que fui lá
pôr para tu ires ver.»
«Ver o quê?»
«Vais lá e vês.»
«Quando é que puseste lá mesmo essa foto?»
«Para aí há dez minutos.»
«Então não vi.»
«Pois, não deve ter passado ainda meia hora.
Mas ontem à noite... Nem queiras saber. Estive lá até às quatro.»
«Ás quatro da madrugada?»
«Sim.»
«E o passarinho cantou?»
«Não estou a entender.»
«Mas como é que tu havias de entender. Não
dormes...»
«O que é que tu tens a ver se eu durmo ou não
durmo?»
«Porquê?»
«Porque parece que te causa espécie, que tens
inveja. Mas eu agora só lá vou amanhã, para tua informação.»
«Sim, sim. É eu só acordar de noite para ir
fazer xi-xi, ir lá espreitar e ver-te lá a pôr coisas.»
«Olha que tu também te deitas cedo.»
«Eu lá ir é só até à hora de jantar. Eu de
noite só vejo a televisão.»
«Eu isso não. Eu cada vez vejo menos
televisão. Qualquer dia fico só mesmo com a internet.»
«Pois. É internet no computador, internet no
telemóvel, internet no ipad menor, internet no tablet maior... O que tu és é
uma drógada da internet.»
«Se fosse drógada da internet, como tu dizes,
não ia só lá amanhã.»
«Deixa lá que amanhã é só daqui a uma
hora...»
«O que é que dissestes?»
«Disse que daqui a uma horas estás lá.»
«Olha-me esta, até parece que não tem
telhados de vidro...»
«Agora fui eu que não percebi.»
«Olha, diz o roto ao nu...»
«Não sei que telhados de vidro estás tu a
falar. Nem quem é o roto e quem é o nu.»
«Diz lá então como é que eu sou? Diz lá então
como é que eu sou?»
«Que és uma drógada da internet. Sim, és uma
drógada da internet. Passas a vida lá! A ti é só ir lá, ir lá, ir lá. Passas a
vida toda lá, passas a vida inteira lá!»
«Deixa lá que te apanho lá muitas vezes...
Tem vezes que estás lá tanto que já não te consigo é ver à frente.»
«Isso és tu a dizer. Por mim, inventa tudo o
que quiseres. Eu até posso lá ir todos dias. Só que há uma grande diferença
entre ir lá todos dias e ir lá todos minutos. Tu se calhar até quando tomas
banho andas lá. Tomas banho, não tomas?»
«Não me estás a perguntar isto, pois não?»
«Então com tanto dispositivo, tanto
dispositivo, algum há de ser impermeável. Vai na volta ainda tens um tablet em
frente ao chuveiro. Deve ter sido o teu namorado que pôs lá um vidro especial
numa caixa de vidro ou o caralho, e aquele fica lá para tu ires vendo, deves
ter é de estar sempre a limpar as mãos...»
«Ai tanto disparate! Nossa Senhora!»
«Vais precisar de Nossa Senhora, vais. Vais
precisar de nossa Senhora quando acontecer uma catástrofe e não puderes ir lá.»
«E continua...»
«Ah pois! Pode haver uma catástrofe que
provoque uma avaria daquelas das grandes nas internetes. Não é um tremor de
terra, filha, aquilo que eu te estou sempre a dizer-te. Não, é mesmo a internet
toda a acabar! Olha que um dia...»
«A internet toda a acabar, diz ela...»
«Então fala com o Afonso para ver se o que eu
digo não é a verdade. Ou então pergunta à Renata, que sabe essas coisas todas.
Se não sabias, ficas a saber: a internet são uns cabos muita grandes ou lá o
que, e é na América. Se houver uma grande catástrofe naquelas zonas onde está
lá guardada a internet acaba-se a internet em todo o lado e cá em Portugal. Ou
achas o quê?»
«Isso é mentira.»
«Não é mentira nenhuma. Foi lá que eu vi. Até
vi as fotos dos cabos e tudo.»
«Viste lá onde?»
«É uma coisa da Rússia que o Afonso gosta. Eu
também fiquei a gostar. Vem em espanhol retraduzido.»
«Conversas dos russos em espanhol. Pelo amor
da santa!»
«Prontos, os amaricanos é que são bons,
queres ver? Foram lá por causa do Saddam e agora aquilo é só terroristas, ou é
mentira, queres ver?»
«Quero ver o quê?»
«Está-se mesmo a ver que não percebes nada
disto. Não te informas. És ignorante.»
«Eu cá não percebo muito disso das guerras e
das políticas. Nem quero perceber. São todos uns mafiosos, uma cambada de
ladrões... Só estão lá para sacarem é o deles.»
«Eu também percebo nada disso. Mas ao menos
interesso-me. E às vezes até encontro lá umas cenas fixes. Há lá muita coisa
das politicas interessantes. Olha, ficas a ver como é que te andam a gamar...»
«Eu cá prefiro nem saber, nem perceber, só de
olhar fico doente. Eu lá prefiro é outras coisas muitíssimo mais
interessantes.»
«Bem sei. E que coisas...»
«Tu não me chateies...»
«Não te chateio mas volto a dizer que estás
lá daqui a uma hora. Se quiseres até aposto contigo. É só mesmo chegares ao
bules. Julgas que eu não sei? O teu chefe é que é tanso, ou então não vê é nada
à frente. Vai na volta tem um fraquinho por ti.»
«És tão parva! Julgas que o meu chefe não
sabe? O meu chefe também está lá sempre. Sou amiga dele.»
«Melhor para ti. Eu cá não tenho amigos
chefes. Nem cá, nem lá. Com o meu patrão devia de ser bonito, havia...»
«Havia...»
«Havia de ser bonito, devia.»
«Tenho sorte. E depois?»
«Depois melhor para ti. Eu cá só quero a
felicidade das minhas amigas. Lá também. Não sou nada invejosa, graças a
Deuses.»
«Eu sei. Por isso agora até vais fazer um
favor aqui à maninha.»
«Pronto. Tinha de vir. Já sabia.»
«As maninhas são para as ocasiões...»
«Então se as maninhas são para as ocasiões,
diz ao menos o que é que é. »
«Espera...»
«Espero nada. Vá lá. Solta!»
«Não posso dizer.»
«Não podes dizer...»
«Não posso ainda dizer.»
«Ai não? Então está bem. Respondo na mesma
moeda: se me disseres o que é, vou lá. Se não me disseres...»
«Não sejas má, vá lá, vai lá. Vai lá ver e
vais ver. Tens é de ir lá ver. Se eu te disser agora não vale a pena. Perde a
magia, perde a graça. Tens é de ir lá ver o que é que é. Aqui não podes, é
impossível saberes. Tem mesmo de ser lá.»
«Prontos. Não tu repitas. Daqui a bocado vou
lá. Satisfeita?»