quarta-feira, 6 de maio de 2015

«Então não vistes?»
«O quê?»
«A foto.»
«Que foto?»
«Aquela foto que eu pus lá. Não vistes, pus lá à bocado.»
«Ah! Essa foto. Vi, pois vi, então eu pus lá um comentário...»
«Pusestes?»
«Pus, pus nessa e pus noutra foto que fui lá pôr para tu ires ver.»
«Ver o quê?»
«Vais lá e vês.»
«Quando é que puseste lá mesmo essa foto?»
«Para aí há dez minutos.»
«Então não vi.»
«Pois, não deve ter passado ainda meia hora. Mas ontem à noite... Nem queiras saber. Estive lá até às quatro.»
«Ás quatro da madrugada?»
«Sim.»
«E o passarinho cantou?»
«Não estou a entender.»
«Mas como é que tu havias de entender. Não dormes...»
«O que é que tu tens a ver se eu durmo ou não durmo?»
«Porquê?»
«Porque parece que te causa espécie, que tens inveja. Mas eu agora só lá vou amanhã, para tua informação.»
«Sim, sim. É eu só acordar de noite para ir fazer xi-xi, ir lá espreitar e ver-te lá a pôr coisas.»
«Olha que tu também te deitas cedo.»
«Eu lá ir é só até à hora de jantar. Eu de noite só vejo a televisão.»
«Eu isso não. Eu cada vez vejo menos televisão. Qualquer dia fico só mesmo com a internet.»
«Pois. É internet no computador, internet no telemóvel, internet no ipad menor, internet no tablet maior... O que tu és é uma drógada da internet.»
«Se fosse drógada da internet, como tu dizes, não ia só lá amanhã.»
«Deixa lá que amanhã é só daqui a uma hora...»
«O que é que dissestes?»
«Disse que daqui a uma horas estás lá.»
«Olha-me esta, até parece que não tem telhados de vidro...»
«Agora fui eu que não percebi.»
«Olha, diz o roto ao nu...»
«Não sei que telhados de vidro estás tu a falar. Nem quem é o roto e quem é o nu.»
«Diz lá então como é que eu sou? Diz lá então como é que eu sou?»
«Que és uma drógada da internet. Sim, és uma drógada da internet. Passas a vida lá! A ti é só ir lá, ir lá, ir lá. Passas a vida toda lá, passas a vida inteira lá!»
«Deixa lá que te apanho lá muitas vezes... Tem vezes que estás lá tanto que já não te consigo é ver à frente.»
«Isso és tu a dizer. Por mim, inventa tudo o que quiseres. Eu até posso lá ir todos dias. Só que há uma grande diferença entre ir lá todos dias e ir lá todos minutos. Tu se calhar até quando tomas banho andas lá. Tomas banho, não tomas?»
«Não me estás a perguntar isto, pois não?»
«Então com tanto dispositivo, tanto dispositivo, algum há de ser impermeável. Vai na volta ainda tens um tablet em frente ao chuveiro. Deve ter sido o teu namorado que pôs lá um vidro especial numa caixa de vidro ou o caralho, e aquele fica lá para tu ires vendo, deves ter é de estar sempre a limpar as mãos...»
«Ai tanto disparate! Nossa Senhora!»
«Vais precisar de Nossa Senhora, vais. Vais precisar de nossa Senhora quando acontecer uma catástrofe e não puderes ir lá.»
«E continua...»
«Ah pois! Pode haver uma catástrofe que provoque uma avaria daquelas das grandes nas internetes. Não é um tremor de terra, filha, aquilo que eu te estou sempre a dizer-te. Não, é mesmo a internet toda a acabar! Olha que um dia...»
«A internet toda a acabar, diz ela...»
«Então fala com o Afonso para ver se o que eu digo não é a verdade. Ou então pergunta à Renata, que sabe essas coisas todas. Se não sabias, ficas a saber: a internet são uns cabos muita grandes ou lá o que, e é na América. Se houver uma grande catástrofe naquelas zonas onde está lá guardada a internet acaba-se a internet em todo o lado e cá em Portugal. Ou achas o quê?»
«Isso é mentira.»
«Não é mentira nenhuma. Foi lá que eu vi. Até vi as fotos dos cabos e tudo.»
«Viste lá onde?»
«É uma coisa da Rússia que o Afonso gosta. Eu também fiquei a gostar. Vem em espanhol retraduzido.»
«Conversas dos russos em espanhol. Pelo amor da santa!»
«Prontos, os amaricanos é que são bons, queres ver? Foram lá por causa do Saddam e agora aquilo é só terroristas, ou é mentira, queres ver?»
«Quero ver o quê?»
«Está-se mesmo a ver que não percebes nada disto. Não te informas. És ignorante.»
«Eu cá não percebo muito disso das guerras e das políticas. Nem quero perceber. São todos uns mafiosos, uma cambada de ladrões... Só estão lá para sacarem é o deles.»
«Eu também percebo nada disso. Mas ao menos interesso-me. E às vezes até encontro lá umas cenas fixes. Há lá muita coisa das politicas interessantes. Olha, ficas a ver como é que te andam a gamar...»
«Eu cá prefiro nem saber, nem perceber, só de olhar fico doente. Eu lá prefiro é outras coisas muitíssimo mais interessantes.»
«Bem sei. E que coisas...»
«Tu não me chateies...»
«Não te chateio mas volto a dizer que estás lá daqui a uma hora. Se quiseres até aposto contigo. É só mesmo chegares ao bules. Julgas que eu não sei? O teu chefe é que é tanso, ou então não vê é nada à frente. Vai na volta tem um fraquinho por ti.»
«És tão parva! Julgas que o meu chefe não sabe? O meu chefe também está lá sempre. Sou amiga dele.»
«Melhor para ti. Eu cá não tenho amigos chefes. Nem cá, nem lá. Com o meu patrão devia de ser bonito, havia...»
«Havia...»
«Havia de ser bonito, devia.»
«Tenho sorte. E depois?»
«Depois melhor para ti. Eu cá só quero a felicidade das minhas amigas. Lá também. Não sou nada invejosa, graças a Deuses.»
«Eu sei. Por isso agora até vais fazer um favor aqui à maninha.»
«Pronto. Tinha de vir. Já sabia.»
«As maninhas são para as ocasiões...»
«Então se as maninhas são para as ocasiões, diz ao menos o que é que é. »
«Espera...»
«Espero nada. Vá lá. Solta!»
«Não posso dizer.»
«Não podes dizer...»
«Não posso ainda dizer.»
«Ai não? Então está bem. Respondo na mesma moeda: se me disseres o que é, vou lá. Se não me disseres...»
«Não sejas má, vá lá, vai lá. Vai lá ver e vais ver. Tens é de ir lá ver. Se eu te disser agora não vale a pena. Perde a magia, perde a graça. Tens é de ir lá ver o que é que é. Aqui não podes, é impossível saberes. Tem mesmo de ser lá.»
«Prontos. Não tu repitas. Daqui a bocado vou lá. Satisfeita?»