sexta-feira, 29 de abril de 2011

Neandertais



Os Neandertais eram baixos, fortes, rápidos, comparáveis hoje aos jogadores de futebol americano, chumaços incluídos. Caçavam em grupo, em equipa, com lanças compridas em direcção aos mostrengos. As lesões e hematomas que contraíam eram parecidas às dos cowboys dos rodeios. Tinham também a particularidade de só caçarem os animais maiores, por terem mais carne e gordura. Os mais pequenos deixavam de fora, não interessavam. Jogavam forte e forte arriscavam, de resto só comiam carne, não estavam para variedades. Também não eram dados a misticismos como o Homo Sapiens, não se pintavam nem faziam rituais. Eram tipos tiro e queda. Burros é que não deviam ser, as pedras afiadas que esculpiam para lascar os animais caçados levavam meses até estarem prontas, e com tal precisão que artesãos de hoje com mais de vinte anos de experiência dificilmente chegam a tanto.
Sabe-se agora que os Neandertais se extinguiram à volta de 40 mil anos, pouco depois do Homo Sapiens migrar para a Europa. Não existem provas de extermínio, nem de assimilação. Não se sabe ao certo porque desapareceram. 
Há uma teoria que diz que houve uma alteração na corrente do Golfo que fez com que a Europa gelasse por completo. Morreram animais, extinguiram-se espécies, a caça grossa foi à vida e os Neandertais desapareceram aos poucos, um a um. Como eram de poucos gostos acabaram por se tramar. A nossa espécie não, pelo contrário, prosperou, caçava o que havia para caçar, comia de tudo, raízes, frutas, o que estivesse á mão. Mais sensata,  disseminou-se por todo o planeta e o resto foi história, inclusive o racismo. Coisa que os Neandertais provavelmente teriam dificuldade em compreender, homens Sapiens racistas de homens Sapiens, e que até há racistas em povos de homens Sapiens independentes há umas dúzias de anos, isto depois de uma vida inteira a levar nas orelhas...

Ainda o jogo de ontem



Até à expulsão, Pepe estava a ser o melhor em campo, "comia bolas", ganhava espaços, cavava faltas, destruía o jogo a um Barcelona que já não sabia mais o que fazer, e o Real Madrid preparava o golo a marcar na altura certa, para depois gerir com pinças a vantagem na segunda mão, em Camp Nou. Só assim podia passar esta eliminatória. Nos limites e sem cometer erros. Fora isso, a queda seria fatal, como no caso do "louco" equilibrista que passou duma torre a outra do World Trade Center. É que este Barça "joga nas alturas". Daí que compreenda toda a fúria de Mourinho: aquele vermelho a Pepe deve ter valido por dois ou três penaltis. Sem Pepe era preciso tempo para prevenir o desastre. Tempo esse que Messi aproveitou com todos os requintes da genialidade. 

domingo, 24 de abril de 2011

Take 1



Filme sobre um filme dentro dum filme, "Road To Nowhere" é um filme sobre o próprio cinema, com planos, cenas e personagens sobrepostos em notáveis efeitos surpresa impossíveis de poder ser inteligíveis num primeiro visionamento pois tudo ali é jogado em enigmas de enigmas de um puzzle em que só vendo e reparando mais uma vez poderão encaixar melhor todo o enredo no misterioso e surpreendente final. Entretanto sobra a beleza dum cinema que em Monte Hellman vive além do espaço e tempos convencionais de um filme. Quantas vezes me lembrei de "Two Lane Black Top" ao ver "Road To Nowhere", talvez por serem feitos da mesma gramática, duma ideia difusa de principio e fim, de partida e chegada, onde sobretudo existe o prazer e mistério da fruição e todo o concreto se dissolve em Cinema. 
O que talvez me falhe em "Road To Nowhere" é Mitchell Haven, o alter-ego do realizador, que não me parece convincente o suficiente para sair do registo just pretending to. Mas como vou ter de ver tudo outra vez...





Adenda: Leio agora no Ipsilon, através de Luís Miguel Oliveira, que Monte Hellman disse  "não basta vê-lo duas vezes". E se há coisa que ele não tem é espírito comercial...

sábado, 23 de abril de 2011

Marika Portman



Já vi muitos renascimentos no cinema. E reciclagens, como de Cary Grant para George Clooney que também reciclou Jimmy Stewart de certeza absoluta. Depois existem casos que intrigam mesmo, feitos de semelhanças absolutas completamente separadas no tempo e geografia. 
Ver Marika Green em "Pick Pocket" (O Carteirista) é quase como ter Natalie Portman nos finais dos anos 50 a ser dirigida por Robert Bresson. Fisicamente não se distinguem, a cara é igual, os olhos são os mesmos, o olhar - penetrante -  é que já não, mas ninguém (nos) olha como Natalie Portman. Mesmo assim, não estivesse Marika Green viva e falar-se ia em reencarnação. Ou será que alguém já perguntou se passou por Israel há trinta anos? 

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Troikados



Ouvia a conversa num café daqui, "mas então os gajos é que têm a guita...". Na televisão a TVI dava os senhores da Troika, palavras da jornalista. Senhores da Troika isto, senhores da Troika aquilo, os senhores da Troika entraram violentamente no nosso vocabulário. E vão se entranhar por muitos e muitos anos. Os senhores da Troika são como a pasta medicinal Couto, andam na boca de toda a gente, é verdade. E também são medicinais com a receita que costumam aplicar, tipo quimioterapia. Senhores da Troika dito assim soa algo salazarento, como se me estivessem a dizer “vêem aí os senhores, bico calado, respeitinho...”. 
Entretanto o homem não se calava, “ouve lá, ouve, os gajos é que têm a guita...”. Isto a propósito do PCP e BE se terem recusado a negociar por uma questão de soberania nacional, dizem, como se a dita soberania nacional não estivesse agora em bolsos alheios. Como se apertar com os senhores da Troika não fosse muito mais útil para nós do que apenas protestar ou clamar vitórias morais. 
Apeteceu-me dizer ao picareta falante que há um senhor da Troika que parece um rei mago e um outro que é mesmo a cara de um daqueles árbitros que rouba tão descaradamente que já nem consegue fingir. Não negociaram, negociassem... 

sábado, 16 de abril de 2011

Ricardo

O que escrevo agora é tão absurdo como a tua morte: devias ter avisado que a gente não deixava. Que te fosses embora assim de surpresa, aos 40 anos. Quando ias dar e ver tanta coisa, aquecer os dias com a tua companhia, por mais distante que fosse, por andares por aí algures, a viver a tua vida, a que tanto tributo prestavas. À tua boa maneira, que subitamente faz tanta falta e que tantos sentem como terrível perda. Foste mesmo embora amigo? Ou andarás noutro ponto da viagem?

quarta-feira, 13 de abril de 2011

O cavalo de Passos Coelho


"Outra década nisto e podemos exumar o Suetónio, que ao menos já treinou com as biografias de Nero, Galba e Vitélio: não eram mais doidos que os nossos. Nem Calígula, que elevou um cavalo a senador, se lembraria de ir buscar o Fernando Nobre." Luís M. Jorge, aqui. Exagero? Não vejo onde. 

segunda-feira, 11 de abril de 2011

RIP Sidney Lumet



Não conheço todos os filmes de Sidney Lumet, nem pouco mais ou menos. Ainda assim vi “Serpico”, “Dog Day Afternoon”, “Equus”, “The Verdict”, Night Falls on Manhattan” e “Before The Devil Knows You're Dead”, todos a ponto de me encherem as medidas. Não é digno desta lista o fraco e despreocupado “Find Me Guilty”, feito certamente em piloto automático, mas que do pouco que tem ainda vale pelos diálogos, pelo humor e por um Vin Diesel a dar ares de grande actor, o que é qualquer coisa...  
Lumet era dos bons, seus filmes tinham carácter: intensos, intrigantes, incisivos, inteligentes, preocupados. Densos, com ritmo, vertigem, estupendas interpretações de grandes actores, agarrando-nos no enredo, fazendo-nos pensar. Pensar a sério. Creio que viverão por muito e muito tempo. Isto se a humanidade não o(s) desmerecer.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Monte Hellman voltou


Tão ou mais difícil do que termos um novo filme do divino Terrence Malick, é voltarmos a ter um filme do mítico Monte Hellman.
Do pouco que vi de Hellman, a obra-prima"Two Lane Blacktop" está no meu top 10 de sempre, os westerns artesanais com Jack Nicholson "The Shooting" e "Ride In The Wirlwind" estão ali numa caixa em frente a olhar para mim, depois de eu já ter gostado de olhar para deles.
Quentin Tarantino queria-o para realizar "Reservoir Dogs", Vincent Gallo para "Buffalo 66", ripando-o depois descaradamente em "The Brown Bunny". Monte Hellman é dos poucos cineastas americanos a saber despertar o 6º sentido cinéfilo. Mal possa estarei lá sentado.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Irei pelo restolho



Li algures a bela da pergunta "onde estava você no dia 6 de Abril?". Ora eu, apesar desta bronquite e de chatos afazeres profissionais, faço anos hoje. Não os comemorarei agora, fica para amanhã ou depois - e ainda bem porque hoje foi um dia terrível para Portugal. 
Mas já que tenho o dia amaldiçoado, também não resisto ao meu statement: não, não irei  votar Sócrates, de forma alguma, Passos Coelho muito menos, seria fisicamente incapaz. Resta-me pois a esquerda ou a extrema esquerda. Seja. É inseguro? Irei pelo restolho? Pois com toda a certeza. O restolho neste momento é o piso mais fiável...

As pessoas aborrecidas

Desconfio sempre das pessoas aborrecidas. As pessoas aborrecidas aborrecem, e não dão nada mais que o próprio aborrecimento. Não porque não saibam, mas porque não querem. Questões de carácter. De bondade intrínseca. As pessoas aborrecidas são tacanhas. Acreditam na mediocridade. Estão como o mar morto, parado, sem marés, é aquilo e pronto. Ás pessoas aborrecidas tenho de dar rédea curta, muito pouco espaço, para não aborrecer de morte. E poder ficar com o dia arruinado. Infectado de tédio.
Mas como vez não são vezes, há sempre uma vez em que que se me relaxam os músculos e, enfim, retiro as ditas da (tão) necessária distância de segurança. É tiro e queda.  Apanham logo a deixa, as pessoas aborrecidas. E lá se revelam, vá-lá,  em todo o seu extertor: chatas como a potassa. E enquanto passa o interminável tempo em que a chatice se revela em tédio e aborrecimento, penso, mais uma vez - enervado, arrependido, zangado comigo, a dar a razão e valor à tão infalível da intuição - na (tão) necessária distância de segurança, na rédea curta, nas coisas da aprendizagem, em noções essenciais da experiência...

sexta-feira, 1 de abril de 2011

1 de Abril



E caí que nem um patinho

Entretanto existe a Coreia do Norte



Tinha gravado há meses, mas só vi agora - um "Toda a Verdade" sobre a Coreia do Norte. Não sei se viram, o meu irmão diz que já viu alguns no You Tube, e de facto não existe nada melhor para sem violência ou morte se poder ficar em estado de choque. Imagina-se "1984" e é mesmo assim. A cidade não tem transito nem carros e são os autocarros que escoam o povo de casa para o trabalho e vice-versa. Não há outra rotina. Tudo é vigiado, tudo é olhos e ouvidos presentes e obrigatórios. Assassinados, mortos à fome, ninguém deve saber, sob pena de morte que nem sequer constará como coisa, quanto mais como facto. O indivíduo é a perversão, o colectivo a salvação e para unir o conjunto só existe a figura do Grande Líder, o único possível garante de sobrevivência. 
Existe ali uma pizzaria, a única num país com mais de 20 milhões de habitantes, diz que o chefe supremo gosta muito de pizzas e enviou então um chefe para aprender a fazê-las em itália. É só para turistas ou figuras do regime, o comum dos mortais não deve sobrepor-se em questões de gosto, muito menos terá 5€ para pagar uma. Se quer comer tem farináceos, algas, e o que mais houver, e nem sequer interessa que morram por ano 800 mil pessoas à fome. Os pensamentos devem estão todos guardados para o Grande Líder, única garantia contra a perversão do mundo. Não há mais nada além dele, nem sequer morrer. 
Turismo ali existe ao preço das Seycheles, vindo de Operadores Turísticos especializados em pacotes para países em guerras, catástrofes, atentados e epidemias. Vão a Gaza, ao Iraque, ou ao Sudão para testemunhar o sofrimento atroz, faz parte do Pacote, depois há gente que paga e bem. Agora se calhar organizam excursões ao Japão do terramoto e à Líbia, caríssimas e exclusivas, escondidas porque as pessoas têm vergonha, sim, existe uma economia gerada pela infinita tristeza. E dá muito dinheiro. Inclusive para a Coreia do Norte.
Os turistas são franceses, neste caso, comandados por dois guias-vigilantes-polícias nativos, e por um tour leader francês que pouco pode com seu ar de proto-nazi milionário pelas comissões que cobra. Entre os turistas está uma descendente de pai norte-coreano com ar de soberba assim meio mesquinho e um lambe botas a dizer bem de tudo aquilo com cara de personagem de um livro apocalíptico de Houéllebecq. Regra principal, ali ninguém pode passear sozinho, fazer perguntas incómodas, nem sequer tocar ao de leve no equilíbrio maquilhado do regime. O mais leve descuido pode descambar numa detenção de meses, ou em crescendo de uns anitos em trabalhos forçados, ou no limite a tortura e a morte. Não existem acordos de repatriamento com nenhum país do mundo, para eles, os outros países nem deviam existir. Dali, tal como nos Buracos Negros das galáxias, tudo o que entra não sai. É a chamada gravidade absoluta, que de tão pesada até a luz retém e é exactamente isso que se passa na Coreia do Norte, onde a gravidade é outra, mas de onde também nada escapa. 
Imagino 1984, a obra-prima de George Orwell, livro que marcou a minha vida e a de tanta gente. Orwell meteu o totalitarismo dentro do mecanismo literário e ficcional pensando-o até às ultimas consequências, o resultado foi o feito de tornar uma obra de ficção cientifica num tratado de realismo e capacidade de leitura e antecipação de cenários apocalípticos. A Coreia do Norte é "1984", é esse mesmo totalitarismo. É o país das ultimas consequências. 
Embasbacado em frente ao ecrã, fico a saber que a propaganda ensina que o chefe criador do regime, o primeiro grande líder, Kim II-sung é herói militar desde os 12 anos, mentira mesmo assim tão real quanto a vida: quem não acredita nisso entretanto já morreu. E nós, que não fazemos parte dos que acham que Kim II-sung não é herói militar desde os 12 anos, também não existimos. Porque lá dentro nunca existiríamos. E se Obama tentasse ali fazer o mesmo que fez agora na Líbia, e W.Bush no Iraque, pois todos juntos deixaríamos de existir. Kim Jong-il sabe que isso nunca acontecerá em séculos. E em Pyonyang, a mulher polícia sinaleiro do documentário, continuará a marcar um transito sem carros. Isso digo eu aqui, porque para eles os carros existem porque está lá a polícia sinaleiro. E vai daí, o povo a cem metros da dita lá  vai fazendo a sua ridícula e triste ginástica antes de ir apanhar os autocarros para o meio do "caótico" trânsito da cidade do Grande Líder. O duplo pensar dirá que a felicidade suprema é viver no meio do mais pobre dos fascismos igualitários. Não é em vão que alguns livros ensinam que toda a humanidade acaba no totalitarismo sem escape possível.