sábado, 27 de abril de 2019

HOTEL COSMOPOL


Imagino-o a nascer nos anos 70, puído e apetrechado por um ex-KGB foragido ao comunismo. Todo o cenário a isso adverte a quem não seja analfabeto aos sinais mais ou menos explícitos de determinada simbologia de influência, ou saiba ter um olho ao emblema da espionagem. O mármore salmão do soalho, as paredes desse amarelo que se não traz vida também não traz angústia. As alcatifas finórias de há trinta anos, os candeeiros entre o Estoril Sol e o Galeto, o lettering Nasa 1969. Estamos no fundo do Inverno e os preços são de época alta. Quem por ali anda ostenta um orgulho que não conseguimos entender. Mesmo assim, está-se frente ao mar onde Carlos V desembarcava quando vinha das campanhas da Flandres. E que forma grande de se entrar em Espanha. Detrás da praia, as montanhas parecem os Açores, ao longe vemos neve, o jogo é com o azul vivo do oceano e quase não se acredita. Na praia, o areal estende-se a uns quatro quilómetros. Não é preciso dar grandes largas à imaginação para ter um quadro decente, ali do hotel 3* de varandas amplas, os quartos cobertos de vidro, o ar condicionado racionado a horas poucas, diminuto, débil, estamos na Cantábria como se estivéssemos na Moldávia. Praia de Laredo, pois então, se é para gozar o tempo, também é preciso sofrê-lo. Se crêem que aqui não é tudo pensado desçam do quarto à cafetaria onde a banda sonora alterna Casablanca com bossa nova, volume para aí ao nível quatro para manter a gravitas à temperatura. Nas paredes o azul celeste rigoroso, os castiçais discretos e afirmativos, como se fosse preciso dar ao vácuo a vertigem certa.
Até agora não vi aqui ninguém. Escrevo da cafetaria onde me sento, casaco fechado, cachecol ao pescoço, há de vir alguém para me servir um café quando se calhar o que eu devia beber era uma aguardente. Aki Kaurismaki não vive assim tão longe. De Viana do Castelo aqui é uma tarde bem passada na auto-estrada. Da Corunha a Tavira ficamos todos muito contentes em saber que está nos seus planos filmar em Vigo. Talvez não fosse nada má ideia vir dar uma mirada a este hotel. Penso que lhe agradaria sobremaneira, até esta luz diurna. Claro que estou num desses lugares onde mal entramos ficamos cientes que vamos daqui vamos para outro sistema solar. Pode não ser suficientemente bizarro para um David Lynch, mas é suficientemente baço para que de uma Cantábria nos elevemos a uma Escandinávia.


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