terça-feira, 30 de abril de 2019

BOB DYLAN EM SANTIAGO DE COMPOSTELA




Ontem, só a interpretação de "Don't Think Twice, It's Allright" foi mais que o bilhete*, o resto veio por acrescento. Assim Bob Dylan cumpriu mais uma missão em Santiago de Compostela, o resto veio por acrescento. Agora o Coliseu do Porto parece-me uma sala mais apropriada para o ritual que o gigante Pavilhão Multiusos Fontes do Sar.


*: e as deslocações, comes e bebes, a t-shirt que comprei...


Post Scriptum: Scarlet Town foi outro bilhete.

domingo, 28 de abril de 2019

TERRA

As massas e seus dirigentes não se dão conta de que não há uma diferença substancial entre chamar ao princípio do mundo «masculino» ou pai (espírito) ou chamá-lo «feminino» ou «mãe» (matéria). Sabemos tão pouco dos dois. Ambos têm sido símbolos numinosos desde o dealbar da mente, sua importância radica em sua numinosidade, não em seu sexo ou outros atributos casuais.(...) Um conceito como «matéria física», despojado da sua conotação numinosa de «Grande Mãe», já não expressa o vasto significado emocional da «Mãe Terra». Trata-se de uma terminologia meramente intelectual, seca como o pó, sumamente desumana. Do mesmo modo, «espírito» identificado como «intelecto» deixa de ser Pai do Todo. Degenera até reduzir-se à limitada mente do ser humano, e a imensa energia emocional expressa na imagem do «nosso Pai» desaparece pelas areias do deserto intelectual. 
Mediante a compreensão cientifica o nosso mundo desumanizou-se. O ser humano sente-se isolado no cosmos. Já não está abrigado pela natureza e perdeu perdeu a sua participação emocional nos acontecimentos naturais que traziam antes um significado simbólico.(...)
O ser humano já não tem uma alma-bosque que o identifique como um animal selvagem, Sua comunicação imediata com a natureza desapareceu para sempre, e a energia emocional que essa comunicação gerava afundou-se no inconsciente. 



Carl Jung



[a partir da tradução para castelhano de "Symbols of Transformation"]

sábado, 27 de abril de 2019

HOTEL COSMOPOL


Imagino-o a nascer nos anos 70, puído e apetrechado por um ex-KGB foragido ao comunismo. Todo o cenário a isso adverte a quem não seja analfabeto aos sinais mais ou menos explícitos de determinada simbologia de influência, ou saiba ter um olho ao emblema da espionagem. O mármore salmão do soalho, as paredes desse amarelo que se não traz vida também não traz angústia. As alcatifas finórias de há trinta anos, os candeeiros entre o Estoril Sol e o Galeto, o lettering Nasa 1969. Estamos no fundo do Inverno e os preços são de época alta. Quem por ali anda ostenta um orgulho que não conseguimos entender. Mesmo assim, está-se frente ao mar onde Carlos V desembarcava quando vinha das campanhas da Flandres. E que forma grande de se entrar em Espanha. Detrás da praia, as montanhas parecem os Açores, ao longe vemos neve, o jogo é com o azul vivo do oceano e quase não se acredita. Na praia, o areal estende-se a uns quatro quilómetros. Não é preciso dar grandes largas à imaginação para ter um quadro decente, ali do hotel 3* de varandas amplas, os quartos cobertos de vidro, o ar condicionado racionado a horas poucas, diminuto, débil, estamos na Cantábria como se estivéssemos na Moldávia. Praia de Laredo, pois então, se é para gozar o tempo, também é preciso sofrê-lo. Se crêem que aqui não é tudo pensado desçam do quarto à cafetaria onde a banda sonora alterna Casablanca com bossa nova, volume para aí ao nível quatro para manter a gravitas à temperatura. Nas paredes o azul celeste rigoroso, os castiçais discretos e afirmativos, como se fosse preciso dar ao vácuo a vertigem certa.
Até agora não vi aqui ninguém. Escrevo da cafetaria onde me sento, casaco fechado, cachecol ao pescoço, há de vir alguém para me servir um café quando se calhar o que eu devia beber era uma aguardente. Aki Kaurismaki não vive assim tão longe. De Viana do Castelo aqui é uma tarde bem passada na auto-estrada. Da Corunha a Tavira ficamos todos muito contentes em saber que está nos seus planos filmar em Vigo. Talvez não fosse nada má ideia vir dar uma mirada a este hotel. Penso que lhe agradaria sobremaneira, até esta luz diurna. Claro que estou num desses lugares onde mal entramos ficamos cientes que vamos daqui vamos para outro sistema solar. Pode não ser suficientemente bizarro para um David Lynch, mas é suficientemente baço para que de uma Cantábria nos elevemos a uma Escandinávia.


sexta-feira, 26 de abril de 2019

128.


Imaginamos a vida dura do trabalhador da fábrica. O tamanho da fila de trânsito e dos armazéns como quarteirões, como perímetros, estamos na cintura industrial. Em Espanha chamam-no polígono. A dar nas vistas o fogo no cimo da chaminé da  fábrica. É uma fúria de outro mundo. Ou a fúria de um outro mundo. Perece de tragédia não estivesse aquele infernal isqueiro ao alto a toda a hora acendido. A dar medo a quem trabalha. Pronúncio de uma eminência que nunca se concretiza, central nuclear que é segura até ao nunca se sabe. Como era possível toda aquela gente ir para ali trabalhar? Bandeira apocalíptica, fúria em controlado como porta de entrada no serviço. Bom dia. Eu paralelo levo a sorte de seguir a via do Cantábrico.


Louvor a IAGO ASPAS



Bilbau, 7 de Abril de 2019

O dia de anos do meu irmão podia ser resumido a Iago Aspas a triunfar numa televisão silenciosa num hotel de Bilbau. Está nada mau. A chuva e os deuses concordam. Chuva abençoada em Vigo, chuva abençoada lá fora, na rua, no rico País Vasco,  onde por mais que chova nada parece inundar-se. Mais por ser terra rija, de raça humana batida das montanhas, forjada do ferro depois da purga dos anos 80, o que daria outro longo texto, ou tanto melhor como os documentários no You Tube ou no sítio da RTVE, e deve-me estar a falta alguma coisa, ou no grande livro de Fernando Aramburu, ou por outra, naquele sujeito punk que apanhei logo à saída da boca do metro, na primeira vez que entrei em Bilbau, vinha eu de Amorebieta, a dar com ele mais alto que eu, para aí metro e noventa, música nos auscultadores e para quem o ouvisse gritar na rua, o refrão era: «Euskal Herria Libertaaaaad!»
Mas passemos a liberdade para a Galiza, directo aos maravilhosos pés de Iago Aspas, combinando com o seu espírito, sacrifício, generosidade, liderança, genialidade. Mesmo na chuva abençoada desta mesma tarde nos Balaídos, chuva abençoada. O penalti ao início da segunda parte – e nem foi preciso expulsar o guarda-redes adversário. A vitória, as palmas que não podiam acabar. Sou verde e branco de alma, coração e sangue, sportinguista de tudo, mas suspeito também que o meu carinho ao Celta traz um suplemento de raíz ancestral. Logo o amor à Galiza, pedido imensas desculpas à minha querida Corunha, tenho dúvidas que os do Celta sejam só tidos como os portugueses por estarem tão perto da fronteira. Para mim o Celta é efectivamente "o clube" que representa a Galiza. Pelo menos é o clube mais universalmente genuinamente galego. Ponto.  Mas não nos percamos: Iago Aspas. Iago Aspas é o homem. Da terra: Moaña. Frente a Vigo e aos Balaídos. Passagens em Liverpool e Sevilla e em nenhuma vingou, em nenhuma singrou, Steven Gerrard chegou a dizer que Aspas nunca trunfaria ao mais alto nível. Aspas? Falamos de um dos três melhores jogadores de Espanha, possivelmente o melhor jogador da história do Celta, talvez  o melhor jogador da história da Galiza. Só o mês passado, regressado de lesão, foi considerado o melhor futebolista de todas as ligas europeias. Se perguntarem a alguém como é que Aspas não está agora a disputar uma champions ou uma bola de ouro, como é que não triunfou fora do seu povo, falarão da morriña, morriña é a versão galega da saudade. «Pobriño, era a morriña», disse-me alguém daqui que percebe tanto de bola como eu de capoeira. Pobriño?É unânime qualquer comentador deste lado da fronteira dizer que Aspas consegue ter mais peso no onze do Celta que Messi no FC Barcelona. Ninguém tem argumentos que desmintam que não fosse aquela lesão de meses – que tanto ajudou a despedir Miguel Cardoso, diga-se – hoje o Celta de Vigo estaria a lutar pelas competições europeias em vez de andar com crises de ansiedade (e sobretudo de confiança) a contar o pontinho do salve-se quem puder, respirando fundo, a fundo, escalando a rocha da montanha,  desesperado a ver se chega... sobretudo se não escorrega. 
Podia ser pior, se esta lesão persistisse a época inteira, o mais provável era que este Celta já estivesse na segunda. Morriñas à parte, também não conheço nome mais céltico-guerreiro que Iago Aspas. Ele que não vai por menos quando diz que joga no clube onde sempre quis jogar. Traz o valor da terra. Mostra o que a terra vale. Simples, humilde, acessível, que genuinamente quer apenas ser mais um na comunidade e dali aportar o melhor que pode e sabe das suas qualidades. Chamam-lhe o génio de Moaña, o mago de Moaña e quando o observamos com mais atenção vemos o puro talento com o espírito de entreajuda. A generosidade com a eficiência. Querem o melhor do povo galego? Pensem em Iago Aspas. Querem vê-lo? Andará pela sua zona, sobretudo em Moaña, a sua terra, onde tão justamente já há uma placa na casa onde nasceu.  Com diz na sua mais recente entrevista, a Sara Carbonero: «Soy un ganador y no me gusta perder. Fuera, como vivo en mi pueblo, me abstraigo de la ciudad, Vigo. El que me ve en mi pueblo me ve en el supermercado, en la farmacia o en el bar cenando en la mesa de al lado; lo ven más normal. Me tira bastante mi tierra. En mi pueblo, siempre me he sentido muy a gusto, conozco a casi todo el mundo», ele que a semana passada renovou contrato até 2023: «He echado muchos años aquí, todas mis raíces en este club, desde los 8 años, he tenido dos experiencias fuera que no me han ido muy bien. Ha sido el paso definitivo para ver que este es mi lugar, mi sitio, estoy con mi familia, con mis amigos». 



segunda-feira, 15 de abril de 2019




Quinta-feira apresento Praia Lontano em Ribadavia (Ourense). Nunca joguei tão em casa, ou se quiser ser mais exacto: tão perto da minha casa, do lugar onde vivo. Talvez dê casa cheia, talvez não, de qualquer forma: vai haver livros.