terça-feira, 25 de agosto de 2015

Bolito


1 - Compra a droga barata para a vender estupidamente mais cara. Lucríssimo garantido. 4000%? Fosse assim tão simples "bastava" não haver escrúpulos. Não, condição primeira: é preciso não haver praticamente nada que não se seja capaz de fazer, passo necessário para se singrar na jogada milionária instantânea e não ser tragado pela inumana mortífera máquina trituradora. Quatro mil mortes por ano em Ciudad Juárez? A CNN diz que são cinquenta mil só em seis anos, no México. Sobretudo mulheres, na sua maioria jovens, o que dá uns bons milhares de adolescentes raptadas nessa ficcionada Santa Teresa de 2666 de Roberto Bolaño, mas bem real Ciudad Juárez, só para a incomensurável fortuna ainda juntar outro milionário quinhão com esses snuff films e não haver mais palavras descreverem o horror. 
Fosse "só" a maldade pura da besta humana. Não, há um sistema que a alimenta, há um sistema que dela se alimenta. Citando esse ficcionado Westray (Brad Pitt) pela pena bem real e precisa de Cormac McCarthy: pensa nisso quando snifares a tua próxima linha de coca.  

2 - Falemos então no lucro. Onde ele começa, na Colômbia e cercanias. Primeiro é preciso afastar a concorrência. Para pôr lá o dinheiro é preciso um exército, um álibi, ou um especial conhecimento, ou uma empresa, ou se não ter nada a perder, ou ser-se cego das ideias, ou ser-se um doido varrido... Ou então é pagar aos pontos, ou seja, aos subornos, suborno por suborno, a profissionais, o que sempre é menos arriscado. As águas estão cheias de piranhas, crocodilos, também haverá lobos em pele de cordeiro. Voltemos a Westray: Soubesses quem está metido nisto ficarias muito surpreendido, muito surpreendido...

3 - Tudo porque surgiu na jogada um (Michael Fassbender) relativamente civilizado e charmoso aventureiro endividado de gostos caros, razoavelmente bem sucedido e cheio de auto-confiança a tentar fazer a sua abordagem ao mercado. Tão brutal automático instantâneo colossal lucro servem-no para acreditar que vale a pena correr o risco. É avisado, zomba do aviso. Sente-se um ser nobre (e superior) que se está a propor a uma empresa, a uma aventura, com uma ideia vaga do mal mas sem fazer do mal a menor ideia - do mal absoluto muito menos. Desconfia-se que esteja à altura, é prevenido que não o faça, o que o desconforta. Está nessa, claro que está nessa. A fasquia inebria, encandeia a vista, como o mais raro dos diamantes que compra a um joalheiro judeu em Amesterdão (Bruno Ganz). E no entanto... É preciso manter as aparências, o trabalho legal de advogado. Pensa nos mundos separados, nem faz ideia de quem seja a madre de todas las madres. 


4 - E como a Terra é um organismo vivo, lá no mar alto, ou nem tanto, lá se vai formando o tsunami, pois que (no) entretanto o chão tremeu. Tremeu? Foi, nem se sentiu. Valha a verdade que tudo não passou de uma coincidência, nem sequer houve descuido. Coincidência, palavra que não existe no narco-dicionário. Westray: «Eles não acreditam em coincidências, já ouviram falar delas, só não viram é nenhuma». Ora bolas. Nem a volta de aquecimento está dada e já se está fora da corrida. Pior que isso, muito pior, talvez até já se possa pensar no célebre abismo de Nietzsche como um sonho impossível comparado a um buraco negro onde da gravidade nada escapa. Não serve de nada. Westray: «O problema maior não é caíres em desgraça, é quem levas contigo...» 

Lágrimas pelo grande amor (Penélope Cruz), de nada lhe valeram os diamantes, capturada que foi para a produção paralela industrial e milionária do horror que acaba com milhares de mortas numa lixeira, sem cabeça, como todas aquelas milhares de jovens e adolescentes raptadas em Ciudad Juárez. 

5 - Para quem ainda não sabe ou adivinhou, este texto vem no seguimento do tão válido como execrado "The Counselor" de Ridley Scott, vomitado por incapazes em todo o seu pós-moderno cinismo de sequer nomear a urgência do interesse em questão. Não, não é nada bonito e agradável de se ver. Pelo contrário. É se como que atropelado, e o crítico de pena triste acha-o um acto rude, uma desfaçatez, que não vinha nada sinalizado. Como li algures, não consigo agora localizar onde, "The Counselor" esperará a morte do realizador e quiçá mais uns bons aninhos para se tornar um filme de culto. É só umas tantas coisas do agora expirarem o prazo de validade.