- Há
uma literatura para quando se está aborrecido. Abunda. Há uma
literatura para quando se está calmo. Esta é a melhor literatura,
acho eu. Também há uma literatura para quando se está triste. E há uma literatura para quando se está alegre. Há uma literatura para
quando se está ávido de conhecimento. E há uma literatura para
quando se está desesperado.
- Na cidade moderna, como toda a gente sabe, camarão que dorme leva-o a corrente.
- A
vida pôs-nos a todos no nosso lugar, ou no lugar que a ela convinha,
e depois esqueceu-nos, como deve ser.
- Por
esses dias, sem que nos déssemos conta, tudo estava a deslizar irremediavelmente pelo precipício. Ou, talvez, a palavra precipício
seja demasiado enfática.
- As
conversas na cama oscilam entre o enigma e a transparência.
- Eu
tento conservar os meus amigos. Tento ser agradável e sociável, não
forço a passagem da comédia à tragédia, disso se encarrega a
vida.
- Ninguém geme: não há desespero.
Apenas o nosso silêncio nocturno quando de gatas nos dirigimos para
as fogueiras que alguém, a uma hora misteriosa e com uma finalidade
incompreensível, acendeu para nós. O acaso guia-nos, embora nada
tenhamos chegado ao acaso. Um escritor deve parecer um censor,
disseram os nossos maiores, e temos seguido essa flor de pensamento
até à sua penúltima consequência. Um escritor deve parecer um
articulista de jornal. Um escritor deve parecer um anão e DEVE
sobreviver. Se não tivéssemos, ainda por cima, que ler, o nosso
trabalho seria um ponto suspenso no nada, um mandala reduzido à sua
mínima expressão, o nosso silêncio, a nossa certeza de ter um pé
cristalizado no outro lado da morte.
Roberto Bolaño, Os Detectives Selvagens, Teorema, Trad. Miranda das Neves, 2008