sexta-feira, 30 de agosto de 2013




Jorge Guillermo Borges era um literato e tinha aspirações intelectuais. "Procurou ser um escritor e fracassou nesse desejo. Escreveu alguns sonetos muito bons", observa o filho. Parece óbvio que a sua própria carreira como autor ficou selada ou recebeu pelo menos um impulso por aquela frustração. Não exprimiu essa vontade por escrito, mas a família interpretou-a como um mandato implícito: o filho devia concretizar o malogrado sonho paterno." No tempo em que era criança, quando lhe sobreveio a cegueira, ficou tacitamente entendido que eu devia cumprir esse destino literário que as circunstâncias negaram a meu pai..." Mas o desejo de se ver realizado no filho tinha uma base e a mãe de Borges defende que aos seis anos o filho disse ao pai que desejava ser escritor. E relembra que por várias vezes, mesmo antes de rabiscar qualquer coisa, estava convencido de que o seria. Imitava o pai nos actos e nos gestos e quando dona Leonor o ouviu recitar poesia inglesa comentou: "Possui a mesma voz".
O pai era um fanático por enciclopédias e consultava-as todos os dias, em especial a Britânica. E o filho fez a mesma coisa. Vários contos e ensaios borgianos têm aí o seu ponto de partida. Não são traduções, simples resumos ou cópias, não, trata-se de recriações literárias. Com o correr do tempo, passou a trabalhá-las como camafeus surpreendentes, lavrados por um prolixo miniaturista. Procedia com liberdade. Condensava, alterava, introduzia histórias em vários planos, alimentava uma intriga e desenlaces inesperados. Anotava a cada passo referências apócrifas. Despistava e brincava. Gostava de causar espanto. 

Os Dois Borges - Vida, sonhos, Enigmas, Volodia Teitelboim, Tradução Serafim Ferreira, Campo das Letras, 2001