Conquistou o tempo para construir o seu trabalho?
Sim, com muitas defesas. Isso obriga-me a ser muito
anti-social num certo sentido. Não sinto obrigação de responder aos e-mails, ao
telemóvel. Não acho que se deva ceder a uma das maiores pragas do mundo
contemporâneo que é obrigar as pessoas, por vias tecnológicas, a estarem sempre
presentes. Se eu quiser escrever ou ler, tenho de escapar dessa presença.
Muitas vezes paga o justo pelo pecador.
(…)
Basta haver uma deriva autoritária para não ser preciso
nenhum big brother, está tudo feito.
As séries de televisão banalizam isso, como se fosse normal...
Mas não é normal. E infelizmente ainda se vai agravar porque
os mais novos utilizam as tecnologias para se controlarem uns aos outros. O
telemóvel é um instrumento de controlo. Namorados e namoradas, pais e mães. Não
é para fazer telefonemas. O número de telefonemas que uma pessoa faz num dia
com o objectivo de comunicar alguma coisa, para dar uma informação, é
pequeníssimo em relação aos telefonemas que começam pela sacrossanta pergunta
«onde é que estás».
Na internet, no Facebook, aceitam expor-se, diminuir a sua
privacidade. Elas próprias estão a perder uma cultura que demorou muito tempo a
criar à civilização burguesa, a cultura da intimidade, da privacidade, a
cultura do «de casa para dentro não se entra».
José Pacheco Pereira, Ler, Julho|Agosto.