quarta-feira, 13 de março de 2013

Stairway to Heaven


No que há de mais inventivo, genuíno e inovador o cinema clássico pode ser desafiado à vontade. Entre tantos, tantos outros, um “Aurora”, um “Citizen Kane”, um “Vertigo”, “Vontade Indómita”, "A Sombra do Caçador" ou este "A Matter of Life and Death" ("Stairway To Heaven" nos Estados Unidos)  da dupla Michael Powell / Emeric Pressburger. Quem faça - ou já fez - a experiência de ver esta obra-prima repara que é instantânea a sensação de que se está ali perante um objecto único: a mui tosca e arcaica tentativa de reprodução do Universo com as estrelas e as galáxias como um abrir de cortina  inicial só se concretiza quando se lê o THE END no fim. Uma história de amor como história da vida e da morte, sobre o que está além e aquém, sob o signo da ciência, da religião, da mitologia e do inexplicável enquanto somos inebriados pelo estupendo argumento e diálogos. 
Tentando resumir: um aviador da RAF na Segunda Grande Guerra é atingido em combate. É ainda o único sobrevivente de um bombardeiro que arde em queda livre, Peter David Carter  de seu nome (David Niven) fala ao intercomunicador com Jane (Kim Hunter), sabe que vai morrer e ela também, nada mais resta na última vez que falaria com alguém, tratando-se ele de um poeta a conversa ganha outro tom, sendo um soldado a combater tropas nazis a tomarem o mundo a coragem mistura-se com a absoluta intrepidez perante o que está em causa, o resultado acaba por evocar os deuses. Peter David Carter  sobrevive - um milagre sem pára-quedas - e encontra Jane, outro milagre. Com tanto "sub-texto" antes do primeiro encontro, o beijo entre os dois consuma-se sem soar forçado, o que é a primeira conquista do filme e  onde tudo começa: no jogo entre o real e imaginário. Como em Homero, dois enredos desenrolam-se em simultâneo, um do mundo visível, outro do "invisível". Peter terá de pagar pelos dois milagres, o além-mundo ainda não se decidira. Na verdade ele ainda não se salvou, tem dores de cabeça lancinantes, visões, alucinações, terá de ser operado. No mundo terreno lutará pela vida, lá em cima tem Deus  - ou os Deuses - e os antepassados a decidirem em tribunal celeste se ele viverá ou não, outra missão complicada, ter-se-ia de abrir um precedente. É desnecessário dizer que não há um céu ou inferno. Este é um filme sobre o purgatório, porque toda a incerteza é também ela uma espécie de purgatório. Os meandros e a forma como tudo se desenrola é o melhor prato do filme, não pode ser contado. Tenho só de sublinhar a maravilha que é aquela escada infinita para o céu, aquela stairway que me deixou a matutar se não seria dali que Plant, Page e companhia foram buscar o seu “Stairway to Heaven”, acho que não, mas parecia...