sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Pergunta à Lama


 - A escrita de Dostoievski sente-se fisicamente. Há ali um magnetismo, textura, solidez, dureza, elegância sustentada, fraternidade trágica e resistência que a possibilita navegar nas lamas mais profundas e ameaçadoras. Consegue tornar a mais tétrica, indigente e depressiva miséria em algo quase apelativo. Com Dostoiesvki estamos dispostos a seguir pelo pântano afora. Vamos até ao fim. Seremos sempre compensados. 
Seu discípulo John Fante foi desaguar no deserto os amores desencontrados de Arturo Bandini por Camilla Lopez e desta por um tal de Sam. O deserto do Mojave era a parte de fora, o limite físico, romanesco e literário daquela Los Angeles das luzes a perder de vista como estrelas da Via Láctea. O crime de “Crime e Castigo” é outro, mas enquanto houver gente a ler livros, suas sementes continuarão a germinar, mesmo em desertos como o Mojave. 

 - Ir buscar referências a outros e tornar nossas as referências é também dar referências a quem nos chegue perdido à procura de qualquer coisa. Uma luzinha na montanha pode ser a diferença entre a vida e a morte. Onde há luz há qualquer coisa. Olhem as estrelas, as galáxias, o Universo. Com tudo escuro só vemos aqueles pontinhos claros. E não há nada como uma noite estrelada. 

- Nunca hei de compreender a burrice dos que na amizade se põem com estratégias. Por cobardia, excesso de energia ou insegurança desperdiçam munições que deveriam servir outras guerras; jogam a peça A julgando que assim jogamos a B e ficam banzados porque não jogamos peça nenhuma; confundem significado com significante; pensam que jogando tudo seguirá conforme. Não vêm o logro, inconscientes que estão da artificialidade que emanam. Achando que a vida é um jogo não têm forma de destrinçar que ele há coisas em que o jogo não vai a jogo.