terça-feira, 20 de novembro de 2012

O homem da enxerga ao lado


O homem da enxerga ao lado, também a convalescer de difteria, era um homem magro e grisalho chamado Michaelson. Nesse Inverno tinha trabalhado numa loja de ferragens e andava a passar um mau bocado. Até uns dois anos antes tinha tido uma quinta no Iowa, na região do milho, mas uma série de más colheitas tinha-o arruinado, o banco tinha executado a hipoteca e ficado com a casa e proposto que lá ficasse a trabalhar como rendeiro mas ele tinha dito que macacos o mordessem se trabalhava como rendeiro para quem quer que fosse e tinha pegado nas suas coisas e vindo para a cidade, e ali estava ele com cinquenta anos e uma mulher e três filhos pequenos para sustentar tentando começar do nada outra vez. Era um grande admirador de Bob La Follette e tinha a teoria de que os banqueiros de Wall Street andavam a conspirar para tomar conta do governo e mandar no país empobrecendo o agricultor. Falava o dia inteiro numa vozinha arquejante, até a enfermeira o fazer calar, sobre a Liga Apartidária e o Partido Camponês-Operário e o destino do grande Noroeste e a necessidade de os operários e os camponeses se unirem para eleger homens honestos como Bob La Follette. Charley tinha-se sindicalizado numa secção local de um sindicato da A. F. L. nesse Outono e a conversa de Michaelson cortada por acessos de falta de ar e de tosse, deixou-o entusiasmado e curioso com a política. Resolveu ler mais jornais e andar a par do que se ia dando pelo mundo. Com aquela guerra e isso tudo, quem  sabia o que podia acontecer. 


John dos Passos, Paralelo 42 (1930), tradução de João Martins, Presença (2009)