O
homem da enxerga ao lado, também a convalescer de difteria, era um
homem magro e grisalho chamado Michaelson. Nesse Inverno tinha
trabalhado numa loja de ferragens e andava a passar um mau bocado.
Até uns dois anos antes tinha tido uma quinta no Iowa, na região do
milho, mas uma série de más colheitas tinha-o arruinado, o banco
tinha executado a hipoteca e ficado com a casa e proposto que lá
ficasse a trabalhar como rendeiro mas ele tinha dito que macacos o
mordessem se trabalhava como rendeiro para quem quer que fosse e
tinha pegado nas suas coisas e vindo para a cidade, e ali estava ele
com cinquenta anos e uma mulher e três filhos pequenos para
sustentar tentando começar do nada outra vez. Era um grande
admirador de Bob La Follette e tinha a teoria de que os banqueiros de
Wall Street andavam a conspirar para tomar conta do governo e mandar
no país empobrecendo o agricultor. Falava o dia inteiro numa vozinha
arquejante, até a enfermeira o fazer calar, sobre a Liga Apartidária
e o Partido Camponês-Operário e o destino do grande Noroeste e a
necessidade de os operários e os camponeses se unirem para eleger
homens honestos como Bob La Follette. Charley tinha-se sindicalizado
numa secção local de um sindicato da A. F. L. nesse Outono e a
conversa de Michaelson cortada por acessos de falta de ar e de tosse,
deixou-o entusiasmado e curioso com a política. Resolveu ler mais
jornais e andar a par do que se ia dando pelo mundo. Com aquela guerra e isso tudo, quem sabia o que podia acontecer.
John dos Passos, Paralelo 42 (1930), tradução de João Martins, Presença (2009)