sexta-feira, 13 de julho de 2012

Nem com o sol-posto




Os mitos ganham raízes fundas. Escrevas o que escreveres, haverá sempre alguém pronto a ousar as interpretações mais descabeladas, a encontrar códigos ocultos na letra. É a mesma lógica das teorias de conspiração. Sicrano morreu. Oh, meu Deus! De certeza que há um culpado. Quando o gajo caiu para o lado sozinho. A verdadeira seiva de uma boa teoria da conspiração está justamente no facto de ser impossível descobrir a verdade; é a falta de provas que a mantem fresca. Quem é que pode saber se eu fiz realmente uma transfusão total de sangue? Que provas é que podem apoiar essa tese? Ou, sendo ela falsa, quantos desmentidos meus é que a conseguirão deitar por terra? Zero, no primeiro caso; nem mil no segundo. 
(...)
Dirigia-me á Suiça, para uma desintoxicação na clínica, e tive de fazer escala em Heathrow. Mais uma vez, lá veio o batalhão da prostituição jornalística: «Keith, só uma pergunta...»Ao que lhes respondi: «Foda-se, calem-se! Vou mudar de sangue.» Zás, mais nada. E entro no avião. Depois disso, parece que a história passou a fazer parte das Sagradas Escrituras. Só disse aquilo para desnortear os gajos. Mas da fama nunca mais me livrei. 
(...)
A tua imagem, a tua persona, como lhe costumavam chamar, é uma espécie de grilhão. As pessoas ainda me julgam um pobre de um agarrado, apesar de já ter deixado a droga há trinta anos! A tua imagem projecta uma longa sombra que não desaparece nem com o sol-posto.


Keith Richards (com James Fox), "Life" (2010), Tradução José Luís Costa, Theoria (2011)