Os
mitos ganham raízes fundas. Escrevas o que escreveres, haverá
sempre alguém pronto a ousar as interpretações mais descabeladas,
a encontrar códigos ocultos na letra. É a mesma lógica das teorias
de conspiração. Sicrano morreu. Oh, meu Deus! De certeza que
há um culpado. Quando o gajo caiu para o lado sozinho. A verdadeira
seiva de uma boa teoria da conspiração está justamente no facto de
ser impossível descobrir a verdade; é a falta de provas que a
mantem fresca. Quem é que pode saber se eu fiz realmente uma
transfusão total de sangue? Que provas é que podem apoiar essa tese?
Ou, sendo ela falsa, quantos desmentidos meus é que a conseguirão
deitar por terra? Zero, no primeiro caso; nem mil no segundo.
(...)
Dirigia-me
á Suiça, para uma desintoxicação na clínica, e tive de fazer
escala em Heathrow. Mais uma vez, lá veio o batalhão da
prostituição jornalística: «Keith, só uma pergunta...»Ao que
lhes respondi: «Foda-se, calem-se! Vou mudar de sangue.» Zás, mais
nada. E entro no avião. Depois disso, parece que a história passou
a fazer parte das Sagradas Escrituras. Só disse aquilo para
desnortear os gajos. Mas da fama nunca mais me livrei.
(...)
A
tua imagem, a tua persona, como lhe costumavam chamar, é uma espécie
de grilhão. As
pessoas ainda me julgam um pobre de um agarrado, apesar de já ter
deixado a droga há trinta anos! A tua imagem projecta uma longa
sombra que não desaparece nem com o sol-posto.
Keith Richards (com James Fox), "Life" (2010), Tradução José Luís Costa, Theoria (2011)