segunda-feira, 4 de julho de 2011

A DANÇA DAS FERIDAS


Isolando cada caso amoroso "capturado" um a um, “A Dança das Feridas” de Henrique Fialho encontra momentos sublimes de poesia, archotes de luz no terreno do(s) amor(es) em seus encantos, desencantos e vivências possíveis imaginadas pelos seus rastos deixados no mundo: “em matéria de amores somos todos tão estultos que ainda não nos tocaram à campainha e já vamos perguntando “quem é” (Allen Ginsberg a Peter Orlovsky), “se não dependêssemos um do outro, como é que explicarias o teu cheiro nas minhas palavras?” (Henry Miller a Annais Nin), “dedos desastrados para os arames mas tão suaves para prosas quebradas em verso” (Jorge a Mécia de Sena), ou em tons mais absolutos e visionários: “o mundo é um emprego remunerado com a morte que apenas conforta a vida quando à sorte cabe um amor que não sare como uma ferida vulgar.”(STEFAN ZWEIG A CHARLOTTE ALTMANN) e que “depois estoura dentro de nós e espalha tudo numa página sob a forma de um poema e nos desfaz em partículas invisíveis e nos funde com as horas absurdas deste desconsolado final de dia” (RAINER MARIA RILKE A LOU ANDRÉAS-SALOMÉ). Ele há tanta força e variedade nos 68 poemas de "A Dança das Feridas" quanto os amores dali retratados. Quase se sente na carne a forma como cravaram suas estacas no Destino. Se imortalizaram nas suas (im)possibilidades. 
Entre os poemas que mais me são caros destaco Blaise Cendars a Féla Poznanska, Lee Krasner a Jackson Pollock, Marguerite Yourcenar a Grace Frick, Rainer Maria Rilke a Lou Andréas-Salomé, Raymond Carver a Tess Gallagher, Serge Gainsbough a Jane Birkin, Declaração, Alexandre O'Neill a Nora Mitrani, Charles Baudelaire a Jeanne Duval e Stefan Zweig a Charlotte Altmann. Ao que junto este poema abaixo. 



CHRISTO A JEANNE-CLAUDE

Quando te perturbarem as rugas
de rosto, os cabelos brancos,
as manchas que na pele denunciam
o tempo a passar velozmente,
quando escorrerem dos poros
lágrimas de suor agitado
e o vento arrastar as nuvens
para um horizonte distante,
lembra-te que a realidade mente,
que por cima da pele há sempre
uma outra pele que nos protege
da previsibilidade dos dias.
E que por mais que escondamos
a idade, a realidade mente
por não saber que para lá do tempo
há o amor que forma o tempo
e lhe confere alguma dignidade.


Henrique Manuel Bento Fialho, "A Dança das Feridas", edição do autor, colecção Insónia, Caldas da Rainha, 2011, pag.17