Sonho que entro sozinho num elevador de madeira bem velho e apertado, carrego no seu único botão, começo a ascensão, pego na folha que tenho no bolso do casaco com um poema de Gabriel Garcia Marquez, ia começar a recitar... É o fim: o elevador pára. O fim no plot point. Game Over. Eu bem carrego no botão solteiro, mas nada. Não anda mais. Mal visto a minha voz abrir a boca e logo ali acaba a brincadeira. Depois o alarme não funciona. Depois eu grito, ninguém me ouve. Estou preso, eu mais o tal do poema. Será tanto mais o tempo claustrofóbico ali fechado quanto me custará sair do sonho. Tento ler o poema, não distingo as letras. É bem feito: não sabia que Garcia Marquez tinha poemas - descobri-o agora. É bem feito: existem faltas que nem os sonhos perdoam. Limites são limites, que isto do sonhar não é o Universo (se é) infinito. Então não era eu que queria tanto o conselho do travesseiro? Para onde é que queria realmente subir? Era mesmo para casa da minha avó?
terça-feira, 24 de novembro de 2015
quarta-feira, 18 de novembro de 2015
45.
Sorvia-me como se fosse respiração assistida. Estranhei até perceber que sim, que estava, que sim, havia. Havia chegado o dia. As horas já não via às escuras. Podia tirar o capacete à vontade. Mesmo que a última passagem pelo túnel fosse nada fácil - tudo preto, tudo preto antes do último sinal - fechava os olhos via melhor. Cinco da manhã desperto. Às onze minhas costas já pesavam três toneladas - tive de me sentar. Sentar e esquecer. Esquecer até o ar deixar de pesar. Então por um qualquer vácuo fui projectado para a cidade. Esquecendo-me de almoçar creio ter visto Paulo Nozolino frente ao quartel da Ferreira Borges. Reflectia e observava. Então comecei a reflectir e a observar. Então um choque de lucidez largou-me um fantasma - iria perder-se pelos autocarros... Três da tarde pesava a tonelagem de 2666 e nem por um momento pensei em Ciudad Juárez. Aguentas bem, disse, tens aí depósito para muito mais. Depois é tanta gasolina a arder por dentro que pelo núcleo de ferro consigo magnetizar todas as lojas. Problema mesmo é nos supermercados. Bem podem os seguranças fazer-me revista. Anos à frente o céu está tão límpido que poderia ver Tróia pela Serra do Cercal. Nenhuma tempestade o impedirá. Nem o tempo acaba com os relógios.
terça-feira, 17 de novembro de 2015
42.
GUILHOTINA
Ora põe aqui tua cabeça
Corta não corta
Corta
Umas horas: medo de ser ignorada, do arrasto da almofada, que fique tudo na mesma.
Umas horas: medo de perder, de um muro gigante se erguer, que fique tudo na mesma.
Corta não corta
Corta
O medo que desapareça
Talvez nalgum ajuste de contas
Só numa de alinhar a direcção perfeita
Partimos transcontinentes
Corta não corta
Corta não corta
Corta
Roendo todas as horas
Bem podes esperar a vida inteira...
sexta-feira, 6 de novembro de 2015
quinta-feira, 5 de novembro de 2015
44.
IMPOSSÍVEL
Não quereria dominá-la - nem tal passaria pela ideia
Só queria mesmo era entrar na praia
A única forma de poder apanhar a onda, aquela onda
A pura adrenalina sem vertigem
A pura da mais puta alegria
Impossível
Completamente impossível, disse-me alguém,
É que ninguém...
É que ninguém...
Pois respondo-lhe agora, prosaicamente, que pelo impossível tenho percorrido muitos possíveis
Milhas e milhas de possíveis, todas as milhas possíveis
E dentro das milhas possíveis, ainda mais milhas possíveis
Lisboas quantas? Umas tantas
Sim, tenho percorrido muita Lisboa...
Mas diz que é impossível
Mesmo
Mesmo mesmo mesmo impossível.
Calma, também não iria surfar um tsunami
Isto houve algum tremor de terra? Então calma
Calma...
Isto houve algum tremor de terra? Então calma
Calma...
Pense-se ao menos nesses alegres doidos sem bem a noção das costuras
Como eu agora não sei do raio do comando que me projecta essa constante:
Cabeças de alfinete, formigas a descer montanhas de água
Vagalhões que nem Waimea Bay, que nem qualquer canhão da Nazaré
E essas ondas existem, se existem, elas e todos os loucos que as tentam
Depois há quem as apanhe e as surfe. Depois há quem morra dentro delas.
Podem perfeitamente ser os mesmos. Podem haver estranhas simetrias.
Podem perfeitamente ser os mesmos. Podem haver estranhas simetrias.
Disse-me ele então que ou são levados da breca ou são levados pela breca
Pois eu prefiro pensar que são levados pela leva valente leva
Que estão tão puramente possuídos pela euphoria versus vertigem
Que podem até citar Gilles Villeneuve, esse Aquiles em turbo: «Vida ou morte é apenas um pormenor...»
Levados da breca ou levados da leva?
segunda-feira, 2 de novembro de 2015
41.
Nunca será meu amor a fazer-me perder o sentido de humor. É que meu humor nunca perdeu o sentido de amor. E a ingratidão é feia, além de mesquinha.
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