quarta-feira, 18 de novembro de 2015

45.

Sorvia-me como se fosse respiração assistida. Estranhei até perceber que sim, que estava, que sim, havia. Havia chegado o dia. As horas já não via às escuras. Podia tirar o capacete à vontade. Mesmo que a última passagem pelo túnel fosse nada fácil - tudo preto, tudo preto antes do último sinal - fechava os olhos via melhor. Cinco da manhã desperto. Às onze minhas costas já pesavam três toneladas - tive de me sentar. Sentar e esquecer. Esquecer até o ar deixar de pesar. Então por um qualquer vácuo fui projectado para a cidade. Esquecendo-me de almoçar creio ter visto Paulo Nozolino frente ao quartel da Ferreira Borges. Reflectia e observava. Então comecei a reflectir e a observar. Então um choque de lucidez largou-me um fantasma - iria perder-se pelos autocarros... Três da tarde pesava a tonelagem de 2666 e nem por um momento pensei em Ciudad Juárez. Aguentas bem, disse, tens aí depósito para muito mais. Depois é tanta gasolina a arder por dentro que pelo núcleo de ferro consigo magnetizar todas as lojas. Problema mesmo é nos supermercados. Bem podem os seguranças fazer-me revista. Anos à frente o céu está tão límpido que poderia ver Tróia pela Serra do Cercal. Nenhuma tempestade o impedirá. Nem o tempo acaba com os relógios.