segunda-feira, 6 de outubro de 2014

"Let's Play Cards"

A violência em Abel Ferrara é uma violência. Não é agradável. Não é preciso pintá-la em sangue e morte para torná-la impressiva. Não é estilizada à Tarantino. Não é coisa de efeito (nem é) decorativo - mesmo quando traz em si todo um jogo... Também não é aquela violência reflexão sobre a violência, como em seu Mestre Pasolini. Abel Ferrara assume Pasolini e Godard à cabeça, e quando muito, John Cassavetes, mas tem de tocar seu próprio som, que isto a cada músico a sua peça. Isto escondendo muito bem o profundamente auto-biográfico, que com algum conhecimento de causa, se pode ver ali bem impresso em filme. Esse cinema de quem se sabe fundir num argumento para depois, na realização, na improvisação com os actores, na importância do som e da fotografia, e até mesmo na produção e tudo o que rodeia a feitura da obra - como não podia deixar de ser quando falamos em verdadeiro trabalho de equipa e espírito de missão ou mesmo de guerrilha - tudo se completar em seu círculo círculo coeso, denso e fechado: «is an honour to make movies, a gift from God», diz o cineasta ítalo-americano algures enquanto lembra esse Orson Welles que levou quase uma vida inteira a achar que começaria a filmar na semana seguinte...

Voltemos pois à violência, que é o que aqui é me interessa (eis no que dá começar posts pelo fim), ao invés de é aqui o que interessa. Porque apesar de tudo é uma violência que nunca é princípio, meio ou fim, pois não tem princípio, nem meio, nem fim - ou mesmo forma de (se) acabar. Essa violência que, improvisada, é também contida e distendida, para poder disparar a todo o momento. Como nesse célebre jogo de cartas que acabou quando nem sequer tinha começado.