segunda-feira, 5 de maio de 2014

Carne para Canhão

Não deixa de ter semelhanças a inconsciência que nos atirou para esta absurda austeridade e perigosa divisão da Europa entre norte e sul, com a inconsciência que precipitou os acontecimentos na Praça Maidan, usando dos piores defeitos da propaganda para esconder o mais puro fascismo doutrinário e um Golpe de Estado contra um governo legitimo e democraticamente eleito. 
De tudo o que eu vi na altura em entusiasmados noticiários, nada mais recordo que a exibição das colossais riquezas à base do roubo, sim, de um governo ladrão e corrupto. Com os palacetes e demais iguarias ficávamos conversados: o governo não só era corrupto, era mais que corrupto, vergonhosa obscenamente corrupto, e a golpada até nos parecia legitima, enfim. Era o povo e tal e nós isso mesmo: burros a olhar para o(s) palácio(s). Problema veio depois. Outros também quiseram, com a verdade - que como Nietzsche dizia, não é propriamente uma velhinha indefesa - de o quererem muito mais legitimamente, fazer também a sua revolução. A começar com a Crimeia, que não foi há dez anos. O resto da história todos já conhecem, ou melhor, vêm conhecendo, de preferência não pelo José Rodrigues dos Santos, que teve na Ucrânia um dos piores e mais parciais exercícios jornalísticos de um enviado especial que eu vi em vida. Agora, enfim, agora é como alguém do mais credível escreveu:«Estamos dependentes da sensatez, ou falta dela, da Rússia». O que até pode ser traduzido por um agora aguentem-se à bomboca. No que é melhor não ser ingénuo. Vou até mais longe, acredito que tal como fomos atirados para esta crise pelos mesmos que tudo dela lucram, poderemos ser atirados para a guerra como povos inteiros antes o foram em tempos de crise. Podemos sempre confiar que a razão estanque a hemorragia das feridas abertas em tempo recorde - e as marcas das feridas têm sido deveras reveladoras. Problema é que a razão não tem sido pródiga em qualquer das partes interessadas. Falemos nos Estados Unidos, é desnecessário de tão óbvio enumerar todos os seus interesses económicos, financeiros, políticos e geoestratégicos (já para nem falar no "military-industrial complex" que só não vê quem não quer ver) em todo este absurdo. Quando a Rússia é o velho patriotismo do Império Russo e Vladimir Putin é Vladimir Putin. Quando a União Europeia é toda esta ordem sem ordem às ordens de Berlim. Talvez eu ande mesmo desmemoriado, mas agora assim não me recordo de nenhuma guerra justa que meta estas gentes e estes povos desde a Segunda Guerra Mundial. Causada por esse Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães que era nazi e fascista e tudo, não era? E o fascismo, nazismo, ou pelo menos, vá-lá, o mais feroz nacionalismo também hoje é parte deste incendiário ilegítimo governo da Ucrânia, não é? Da Europa-América até já aterrou o FMI em Kiev (como aconteceu no Iraque, nunca vi comentador e/ou analista falar nisso, os comentadores e/ou analistas nunca falam na Doutrina de Choque), não foi? Os Estados Unidos e a União Europeia só estão mesmo preocupados, seriamente preocupados, com a democracia, a justiça e a integridade territorial da Ucrânia, não é? Problema que tudo tenha apenas começado