terça-feira, 31 de dezembro de 2013

2014


Gosto de escrever, preciso escrever, tenho e terei (outras e) mais escritas de permeio. Mais as leituras e mais que eu leia mais quero ler, mais que investigue mais quero investigar, mais que eu ouça música mais quero ouvir, mais que eu veja filmes mais quero ver e por aí adiante desde que não fique cheio e inchado até chegar ao inevitável do tempo que tudo rege para dizer mais que eu tenha tempo mais tempo quero ter. O que não é tão bem verdade, ou não é tão bem assim. Quanto mais tempo se tem mais tempo se desperdiça, essa é que é essa. O tempo arruma-se. E tem dias em que quanto menos há melhor se arruma. Tenho o problema de ser um incurável desarrumado. O que até pode resultar. Descubro coisas às vezes enquanto me desarrumo e estou em tempo de arrumá-las. Sei, já é dia 31/12 e sem tempo não há balanços. Também é esse o estado da arte: falta de pachorra para muita coisa, bastante para muito pouca. Bendita seja a pouca. Por exemplo o filme “Killing Them Softly de Andrew Dominic (já tinha visto antes no cinema o extraordinário “The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford”) que aluguei e contado vi seis vezes. Sim, seis vezes, intercaladas e ampliadas pela repetição das cenas. Porque  o aluguei? Por causa do realizador, mas sobretudo por quem o escreveu e inventou ali quase tudo, muito por ter vivido e bebido daquilo enquanto fazia o seu trabalho de advogado na cidade de Boston. Falo do grande George V. Higgins de quem já tinha entrado como que em êxtase no mui importante e inolvidável “The Friends of Eddie Coyle”. Higgins é de longe o escritor mais sub-apreciado que conheço. Já escrevi o óbvio e repetido que sem ele não havia nem Tarantinos, nem Elmore Leonards nem mais as dezenas de sucedâneos óbvios, mas por curiosidade fui ver ao You Tube tudo o que era entrevista em roda do filme - inclusive no Festival de Cannes - mais a conferência de imprensa de apresentação da obra e só por uma vez seu nome é nomeado e por causa de uma pergunta  explícita a propósito de "The Cogan's Trade". Claro que o filme partilha em tudo do seu humor, inteligência, poder de síntese, juntando às palavras a superior realização e banda sonora mais as interpretações supremas de grandes actores (enormes, James Gandolfini a provar que não era só o Tony Soprano; o incrível e genial  Ben Mendelsohn, da Austrália para o mundo; o impagável Vincent Curatola, sobretudo para quem não se esquece Johnny Sack dos Sopranos; Brad Pitt, que já sendo um actor magnífico, que o é, faz aqui a meu ver uma das suas melhores interpretações para a história, cada vez mais seguro, cada vez mais clássico no sentido daquela classe pura ao alcance de poucos). 
Mas repito, só mesmo os diálogos, as falas, essa superlativa esgrima de palavras ditas em eficácia e tom certeiros para ver e rever e repetir mais umas quantas vezes e aprender como se faz. Mesmo que também valha o upgrade aos tempos de hoje com a presença dos noticiários constantes aquando da crise do subprime, culminados no discurso de eleição de Barack Obama na última cena do filme, que soou tanto a promessa e hoje sabemos que do essencial tudo continuou sumamente na mesma, com os resultados que sabemos. Lampedusa nem pode ser para aqui chamado porque nada foi preciso mudar e também nada ficou na mesma porque na verdade tudo piorou. Enfim, não queria ir dar a isto. Se querem que vos diga neste momento não me podia estar mais nas tintas. Digo-o no melhor sentido do termo. 
Bom ano a todas e a todos os leitores deste desorganizado desarrumado estabelecimento. Que tenham um bom e feliz novo ano. Saúde. 

sábado, 14 de dezembro de 2013

9.

O televisor desligado a fazer de espelho involuntário. Vejo ali um bloco de notas, o sofá, eu (pelo menos parece), alguns livros que leio (ando no um por género) pela primeira vez juntos nesta sala. Intrépidos e desafiantes, nenhum passível de ser abandonado (às vezes acontece) podendo eu ler muito mais e não lendo tanto quanto as livralhadas aqui me pedem e/ou exigem. E o sol bate-me forte na cara e daí vem-me à memória certa canção de Neil Young como se um raio luminoso se me tivesse ligado essa jukebox mental que há em cada um de nós, cheia de canções ou músicas agarradas pelo gosto e pela memória. Neste caso nada do genial amargo, tempestuoso e temperamental de um “On The Beach”, “Tonigh’s The Night” ou "American Stars'n'Bars" que até combinavam melhor com os dias. Também tinha a janela fechada.