quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Kime

O Kime*, mais que tudo, é um princípio. Como em muitas coisas da vida, só comecei a entendê-lo melhor quando tive mesmo de o aplicar. Digo mesmo porque foi em plena demonstração no Estádio Universitário de Lisboa. Devemos ter estado umas semanas a ensaiar o número. Tinha bokken (sabre de madeira), (bastão de madeira) e Tantô (punhal de plástico ou madeira) e, com tudo a postos, sentia-me estranhamente vazio, não me lembrava de nada. Demasiado nervoso, claro, como logo vim a comprovar. Outra das coisas que aprendi no Aikido, e de vez em quando esqueço: muitos nervos, melhor nem pensar. Como disse uma vez Mestre Georges Stobbaerts (cito de memória): «pensar sim, muito, mas só depois da prática, nunca durante». Terá sido por isso que apenas dei por mim quando tinha um colega mais experiente a dar-me os parabéns, admirado por nunca me ter visto a praticar daquela maneira, tão efectiva: «vá lá vai! Nem te reconhecia... Nunca te vi assim.» Nada de demasiado complicado, "apenas" importante: tomar o bokken como aquilo que é, um sabre autêntico; o tantô como um punhal a valer, desses que se usam nos hara-kiris, por exemplo... Nietzsche dizia que a maturidade chega quando descobrimos a seriedade das brincadeiras de infância. Vou mais pelo entusiasmo. 

* - leia-se kimê

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

...

 - Há uma literatura para quando se está aborrecido. Abunda. Há uma literatura para quando se está calmo. Esta é a melhor literatura, acho eu. Também há uma literatura para quando se está triste. E há uma literatura para quando se está alegre. Há uma literatura para quando se está ávido de conhecimento. E há uma literatura para quando se está desesperado.

- Na cidade moderna, como toda a gente sabe, camarão que dorme leva-o a corrente.

 - A vida pôs-nos a todos no nosso lugar, ou no lugar que a ela convinha, e depois esqueceu-nos, como deve ser.

 - Por esses dias, sem que nos déssemos conta, tudo estava a deslizar irremediavelmente pelo precipício. Ou, talvez, a palavra precipício seja demasiado enfática.

 - As conversas na cama oscilam entre o enigma e a transparência.

 - Eu tento conservar os meus amigos. Tento ser agradável e sociável, não forço a passagem da comédia à tragédia, disso se encarrega a vida.

 - Ninguém geme: não há desespero. Apenas o nosso silêncio nocturno quando de gatas nos dirigimos para as fogueiras que alguém, a uma hora misteriosa e com uma finalidade incompreensível, acendeu para nós. O acaso guia-nos, embora nada tenhamos chegado ao acaso. Um escritor deve parecer um censor, disseram os nossos maiores, e temos seguido essa flor de pensamento até à sua penúltima consequência. Um escritor deve parecer um articulista de jornal. Um escritor deve parecer um anão e DEVE sobreviver. Se não tivéssemos, ainda por cima, que ler, o nosso trabalho seria um ponto suspenso no nada, um mandala reduzido à sua mínima expressão, o nosso silêncio, a nossa certeza de ter um pé cristalizado no outro lado da morte. 


Roberto Bolaño, Os Detectives Selvagens, Teorema, Trad. Miranda das Neves, 2008

sábado, 12 de outubro de 2013

O absurdo encerra uma moral

1 - Um romance sobre a guerra, de vez em quando, é bom remédio contra o absurdo. É outro absurdo o que estamos ali a ver, são outras proporções, é como a imagem da Terra para lá da atmosfera, nem nos vemos ali metidos. O nosso absurdo (salvo seja, estou a relativizar) é o sonho de vida para quem vive no meio dos escombros dos tiros e das bombas. Onde tudo se inverte, onde a infâmia e crueldade vivem no habitat natural, onde o ser humano é zero ou menos que isso. Onde com o «estamos em guerra» tudo se justifica: o assassinato, o roubo, a indiferença, a avareza, a indignidade, etc, etc. 

2 - Daí não embarco nessa do «estamos em crise» como pretexto para nos cortarem (leia-se roubarem) as vidas em seus direitos e garantias mínimas de normal sociedade moderna civilizada. O que é, já agora, superiormente - e cada vez mais  - pago em impostos de usura (leia-se idade média). O busílis também está aí, não estamos em guerra, mas por vezes é como estivéssemos, quando a verdade provada nos mostra que fomos assaltados cá dentro, no nosso território, e não foram tropas invasoras. Talvez a guerra seja "apenas" outra forma de crise, a suprema forma de crise, a maior de todas as crises. Mas foi por crises como esta que todo o caldo se entornou

3 - Da destruição da Guerra nasceu esta Europa de conquistas civilizacionais que tanto nos pode orgulhar. O que sem um investimento forte na economia, sem o Estado Social, sem, por exemplo, o perdão de dívida à Alemanha, entre outras tantas ajudas, sem, enfim, uma Europa solidária, talvez ainda respirássemos o pó das ruínas. Semeadas pela austeridade, é preciso não esquecer, a ferrugem nunca dorme, é bom citar o Neil Young.

Estava um dia lindíssimo

Essas explosões sucediam-se como os disparos dos morteiros numa festa de aldeia e produziam-me um efeito estranho porque tinham qualquer coisa de festivo, e no entanto eu sabia que significavam miséria e desespero para os que moravam lá em baixo, nas terras enxutas. Estava um dia lindíssimo, sereno, calmo, o céu sem uma nuvem, e toda a planície de Fondi, verde e próspera, alongando-se até a linha vaporosa do mar, tão bela, assim azul e sorridente. E mais uma vez, ouvindo aqueles estrondos e olhando aquela paisagem, pensei que os homens andam para um lado e a natureza para outro, e quando a natureza desencadeia um temporal de trovões, raios e chuva, muitas vezes os homens são felizes em suas casas, ao passo que quando a natureza sorri e parece querer prometer uma felicidade eterna, os homens se desesperam e desejam a morte.
Alberto Moravia, A Ciociara, Portugália Editora, Lisboa, Trad. José A. Machado  

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

HARDtalk e tal




Tréguas, compreensão, compaixão, sabedoria. A importância do pai que nunca conheceu, morto na Segunda Guerra Mundial. Os espectáculos ao vivo. Os Pink Floyd - do flipanço de Syd Barrett ao braço a torcer no longo conflito legal com a banda. As fortes opiniões políticas. A criação. O mau feitio. A carreira a solo. O futuro. 
Vinte e poucos minutos. Um apertando nas perguntas, outro ainda elevando a fasquia. Correu muito bem. Talvez porque quem não deve não teme. Stephen Sackur não costuma ser para brincadeiras. Olhem certo e determinado convidado, se é que não viram. Como era bom haver cá um programa assimPerfeito para pôr os pontos nos ii. Rui Machete seria um convidado de sonho

Pura Conquista



Certo que tivemos sorte para a goleada. Mesmo dando de barato aquele remate do Carrillo, que quase entrava. Mas sorte por sorte, ao menos veio no limite do tentar, em pleno esforço, no ponto onde tarda nada já podemos saltar do barco para terra, está muito perto. Não é por acaso e é fácil explicar porquê. Num passado recente, era o Sporting que servia (para) os jogadores*. Reverteu-se a fórmula, hoje são os jogadores que servem (para) o Sporting. Melhor dizendo, se antes era o Sporting que tinha de servir para os jogadores, hoje são os jogadores que têm de servir para o Sporting. Assim se alcança a místicao ponto onde entra a identidade - o lema Esforço, Dedicação, Devoção e Glória. O excelente Leonardo Jardim sabe disso muito bem. Pois que mais importante que estar a concretizar o seu sonho, ele está a viver o seu sonho. Bem acordado, que isso das dores de crescimento pede muita atenção. Porém há nesta equipa um lado pioneiro, de energia, entusiasmo e descoberta absolutamente únicos. Mesmo que não ganhemos nada este ano, o que não acredito, o mais difícil e importante está feito: voltámos a ser o Sporting. Com tudo o que isso significa. 
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* -  "Sporting não tem salvação", dizia um dos, não jogador, mas gestor de topo. Quem dá o que tem, a mais não é obrigado. Basta acabar o trabalhinho, apagar a luz e fechar a porta. 

sábado, 5 de outubro de 2013

Três Anos

Três anosOutro tempo. Com os dados da hora, local e data um dia ainda lhe faço uma free astrological chartAbsurdos à parte, nunca antes tinha ouvido esse nome: Desertações. Também quase ninguém deve ter ouvido: não existe, pelo menos no dicionário. Digamos que se me anunciou entre a abstracção estéril e a associação de ideias. Vá lá que o blogue existe. Engraçado que seja o post 500 - entre os rascunhos e os publicados. O que em 3 x 365 dias dá muito espaço entrelinhas.