terça-feira, 28 de maio de 2013

Lembrar Alto


Por vários motivos a morte de Ray Manzarek pôs-me a máquina da memória a funcionar. Claro que no tempo em que ouvi os The Doors pela primeira vez não havia internet, muito menos You Tube, até os CD’s eram novidade. Menos mal, "bebíamos" os álbuns desde as capas até ao impagável som analógico do LP sob a agulha do gira-discos. 
       Nem a cinco minutos de casa havia uma loja de discos  - onde agora se não me engano é uma Multi Ópticas. Não me sei se gastei tudo o que tinha, mas lembro que se destacavam todos os LP's dos Doors, incluindo o pós-Morrison. Pouco antes, um colega mais velho da escola conhecido como Nuno "Morrison" pusera-me a ouvir a banda, coisa pouca ainda, nem sequer um apanhado para ter ideias discográficas mas suficiente para ter definido um padrão: o Jim Morrison eram os The Doors e os The Doors eram o Jim Morrison... Ponto assente e decisivo para andar por ali ás voltas indeciso entre os seis discos que havia de levar até que fui pela capa no primeiro, o homónimo, e pelo o outro ao calhas, o “Waiting For The Sun”. 
Esta é daquelas boas “geometrias da vida" que não sei se é obra do acaso ou do nada por acaso. A mesma que me levou a acabar de ler o “Viagem Ao Fim da Noite” aos primeiros raios de luz do dia. Penso nisso agora porque a primeira vez que desci a agulha ao prato num disco dos Doors, zás:“Break On Through (To the Other Side)”. Depois, os discos todos, comprados ou gravados em cassete a que se seguiram os CD's; mais a biografia de Jim Morrison da Assírio e Alvim “Daqui Ninguém Sai Vivo” e depois os poemas e os bónus de influências de Rimbaud a Nietzsche à Viagem do Céline...
Do que se pode chamar pós-The Doors a conversa vai por outro atalho. Primeiro, pela pouca curiosidade que me tomou. Depois porque Manzarek/Krieger/Densmore decidiram retirar os álbuns da discografia oficial. Depois pelo leve trago a traiçãozinha*...
Dito isto, acabei esta semana por ouvir no You Tube tudo o que havia de “Other Voices” e “Full Circle”. Nunca tal me ocorrera e, com a devida vénia, confesso que foi devido ao Facebook de Henrique Fialho, que postando "The Peking King and The New York Queen" me pôs a pensar: espera láIsto não é nada mau. Pensar quando “folheei” aqueles LP’s que os descobriria desta maneira seria transformar em realidade pura ficção cientifica. E das capas dos discos, do “Full Circle” nem ideia, a do “Other Voices” tinha-a definida na minha cabeça. Ao que vem o ter começado a escrever o post: algo que li não me recordo onde sobre a fraqueza da memória, impossibilitada que está de recordar na exactidão o acontecimento, embotada que está por toda nossa subjectividade. Pois na minha capa-memória do "Other Voices", Ray Manzarek está tão maior e mais alto que Krieger e Densmore que era só dele que lembrava. Na verdadeira,  enfim...


* - Casos há em que a única solução possível é a que levou à criação dos New Order.

PS: este post estava para ser publicado à uns cinco, seis dias... Não digo fora de validade, mas inaugurar com isto as catacumbas do draft até que era
 uma ideia. 

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Botão na Pausa


E reparas, o entrevistador, assertivo e competente, tem nos olhos bem vincada impaciência. Do partido do chefe, contrário ao do pai, mas diria igual na aderência clubistica e facciosismo elementar, ora ao ataque, ora à defesa do argumento que melhor serve a dialéctica do jogo. Na oposição em cima deles, no poder a fazer pressão alta e a tentar não dar espaços. Joga pela direitola, o pai esse vai pelo centrão e também não aprecia a esquerdalha, a quem não reconhece qualquer tipo de saber táctico.

O entrevistado está para o chateado, há nele a leve neura, o humor mal amanhado. A persuasão e ênfase habituais continuam porém intactos. Profissional e muito bem preparado, no tom da voz apanha o enfado para no olhar usar a gana imensa de chamar ignorante ao entrevistador. Verdade é que já lá vão uns anos fora dos corredores. Deve embirrar com travessias do deserto. É daqueles que imaginamos infelizes longe dos holofotes. Vendo melhor até me parece de ressaca. 

terça-feira, 21 de maio de 2013

Ray Manzarek (1939-2013)


Para o panteão bastava o solo de Light My Fire mas When The Music's Over, Soul Kitchen, Riders On The Storm, LA Woman, Love Me Two Times, The Christal Ship, Shaman's Blues, Strange Days, People Are Strange, The End, The Soft Parade,  The Changeling, Break On Through to the Other Side, entre quantas mais, chega e sobra para a imortalidade. Mas Ray Manzarek ainda se arranjava para ao piano tocar aquele baixo de assombro, combinando com John Densmore uma secção rítmica de respeito. Palavras de Densmore, ontem:

domingo, 19 de maio de 2013

Coisos


- Escrever sobre alguma coisa é o que é preciso. Alguma coisa é alguma coisa. Alguma coisa o pedalar numa bicicleta, coisa nenhuma o deixar cair, parar, de pedalar. 

 - Fingir-me enganar, dar vantagem à mentira, deixá-la pousar, sentar na mesa. Fazer de surdo, como recomendava Nietzsche, é tão infalível como esticar à luz uma nota.  

 - Não tem de ser mau dar muito mais que receber, é bom. Nem receber muito menos que dar. Chato mesmo é não saber dar sem não querer nada em troca. 

-  A delicadeza que desmarca teu terreno pode ser a indelicadeza que outro usa para o tomar. 

- Não levar a sério para poder levar a sério. Largar peso para poder carregar mais.  

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Medicina


Quando o desequilíbrio, como o nosso, é devido a uma situação estrutural do próprio tecido produtivo, a gente pode fazer os sacrifícios financeiros que quiser que os problemas vão continuar lá. E os sacrifícios não vão servir para nada. Foi esse o grande erro da Comissão Europeia, que tinha a responsabilidade de conhecer a situação. Costumo dar este exemplo: se os Estados Unidos tivessem encarado a situação na Europa após a Segunda Guerra Mundial como a Comissão Europeia encara esta crise, ainda hoje a Europa estava destruída.  
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A questão fundamental é que a Alemanha ganhou um poder que não tinha com o Tratado de Maastricht e quer uma Europa à sua medida, o que significa ter uma moeda forte. Se os países do Sul não aguentam, pior para eles. E vai-se-lhes dando umas migalhas para eles não saírem, mas isso não é sustentável.
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O grande drama vai ser quando as pessoas se aperceberem de que, feitos os sacrifícios todos, não estamos melhor. Um dos momentos que tornarão visível a situação vai ser voltarmos aos mercados. Depois do regresso triunfante aos mercados teremos no dia seguinte mais austeridade em cima. E quando as pessoas se aperceberem de que todos os sacrifícios pedidos foram em vão vai haver um tumulto sério no país. Será provavelmente o fim desta política. Não sei o que virá depois.
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Nós podemos financiar-nos a juros mais baixos, mas isso dá apenas a sustentação na agonia porque continuamos a aumentar o desemprego e a recessão. O problema é que o país não tem sustentação demográfica assim: se saem 110 mil jovens por ano, como o ano passado, ao fim de uma década são um milhão e tal – e como é que o país vai aguentar, com o envelhecimento que tem à partida, esta autêntica sangria? Não vai. Nos anos 60 saiu um milhão e tal de pessoas activas, mas o país era jovem, a estrutura demográfica não tinha nada a ver com a que temos hoje. A sustentabilidade demográfica do país, que é a condição básica para o país existir, ficará totalmente em causa se esta política durar dez anos.

E mais, mais pedra para partir

(via Declínio e Queda)