quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Outra vez o Opus Night

Uma das coisas boas de ter uma bicicleta estática em casa, além do exercício que passa num instante, é que me dou tempo para determinados programas que de outra forma não sei se via - canais História e Odisseia, Quadraturas do Círculo, achados da RTP Memória como o "Portugal no Século XX" e quando calha algum "Falatório" que apanhe a jeito. Quando calham bons escritores, e Clara Ferreira Alves os apanha bem, há poucas hipóteses para os outros programas. E se José Saramago é bom mas um pouco chato, já Mia Couto extravasa a chatice e é de apagar logo. O que não pode acontecer com um António Lobo Antunes, Dinis Machado, ou José Cardoso Pires, onde o nível é altíssimo, estupendo, maravilha. 
O melhor para mim, porque mais útil, é também dos meus portugueses favoritos, falo claro do grande José Cardoso Pires, e do bom que foi reviver com ele e a entrevistadora Sebastião Opus Night, a quem regresso agora, arranjado está um bom pretexto. Mas não há como não falar em Sebastião Opus Night. Não pela comédia de lágrimas aos olhos, não pela singularidade do tipo, mas porque aquele personagem existe mesmo. Ou se não existe , morreu há pouco tempo. E se morreu mesmo não terá sido no seu corpo físico mas no seu tempo, que se foi, que vai indo, que anda aos anos a acabar e espero que nunca acabe. Mesmo que não frequente, mesmo que apenas saiba que existe. Opus Night é, mais que um personagem, também uma certa noite de Lisboa, uma certa vivência, uma certa boémia, uns certos e determinados bares e apeadeiros. O Opus Night que conheci pintava o cabelo de muito preto achando que assim podia recuar pelo menos uns trinta anos. Até deixar de o ver. Já não frequento essa noite, na verdade nunca a frequentei, fui mais um turista ou repórter, uma espécie que as espécies já não se recordam, falta-me a pedalada, a fibra do navegador pelas tempestades da ressaca. Ao Opus Night vi-o a última vez a umas quatro da tarde ao lado do Elevador da Glória. Claro que não me reconheceu, nem a mim, nem se calhar a si próprio. Branco como a cal, um cabo das tormentas de homem, tão longe estava ainda de ultrapassar o Meridiano da Ressaca. Se tem verdade isso da Lisboa cidade branca, então ele estava mais branco que Lisboa. Vá que dali a umas horas, com a noite bem avançada e os uísques bem aviados, o Sebastião lá ganharia outra voz, alcançando o humor e a cor que o caracterizam. Ponto da viagem onde tardará até se tornar incongruente, chato, insolente e salazarento. Todo ele bem fixo em seu barco bêbado, cheio de ideias firmes e certezas sobre tudo e o que venha à rede. Com bife ou sem bife só whisky, pois a hora não era para misturas