terça-feira, 30 de outubro de 2012

Factotum


Uma boa surpresa este "Factotum" do norueguês Bent Hamer. Não parti para o filme com grandes expectativas, confesso. Esperaria tanto ou quanto um género de "Barfly", talvez em melhor, talvez em pior. O filme de Barbet Shroeder não é mau, mas tem problemas. Caricatural, um tanto ou quanto inconsequente, indeciso, sempre para ali a apalpar terreno. Tenho para mim que Bukowski aceitou integrar o projecto mais como experiência que outra coisa, quem leia o romance "Hollywood" percebe isso, é lá que está o sumo todo de "Barfly" que não é mais do que todo o processo que rodeia o filme - a pré-produção, as decisões de quem entra e não entra, fica e não fica, o stress do realizador, o realizador contra o mundo, os amigos em redor, alguns para a vida como Sean Penn (no romance é Tom Pell), as excentricidades dos "artistas", as vaidades hollywoodescas, etc, etc. 
De qualquer modo, "Factotum" é o único filme em que temos verdadeiramente connosco um Henry Chinaski a sério sem clichés nem protótipos. Matt Dillon ajuda e muito. É outra surpresa. Com menos recursos que um Mickey Rourke, já para não falar de um Ben Gazzara que é de outro campeonato, Matt Dillon bate os outros dois aos pontos. Ele é Henry Chinaski, os outros são mais trejeitos, tentativas in progress. Dillon, ao invés, sabe compor e encarnar o personagem. No tom sóbrio, sério, meditabundo, no andar arrastado, na fala lenta, pausada, na ironia fina, no humor, no realismo sarcástico, no cepticismo avassalador. Leu a obra e estudou Charles Bukowski, isso salta logo à vista. O mesmo acontece com o argumento e o trabalho de realização, uma das provas disso é o encaixe perfeito de versos de poemas do autor em momentos certos para o efeito. "A poem is a city" ou "Roll the Dice" são disso exemplos. Sóbrio e consistente, "Factotum" é não apenas honesto como consegue também fazer cinema com um romance, o que é raro, basta pensar na quantidade de filmes falhados baseados em romances 
Nos créditos finais temos o nome da víuva do escritor, Linda Lee Bukowski e do editor, o tão estimado e decisivo amigo John Martin da Black Sparrow Press. Ignoro o peso que tenham tido no filme, mas sente-se aqui um reviver, um "matar saudades", algo que, distâncias à parte, só me lembro de ver em "Man On The Moon" de Milos Forman. Já me ia-me esquecer de uma estupenda Lili Taylor como Jane Cooney Baker, o primeiro grande amor do poeta, e de uma Marisa Tomei que basta ser Marisa Tomei, mesmo que por pouco tempo, para conseguir iluminar um filme. 


É amanhã que se acabam as férias?




Já que falamos de costuras, isto só vai lá assim, por pontos: 

- Números, que os tempos gostam de números, deixo os meus, que os Sporting estão pouco acima da linha de água e são publicamente conhecidos. Foram mais de 150 euros em Gamebox, com a crise, com os cortes, os gastos, a incompetência, o é para o mês seguinte. Há mais de 100 euros a pagar em quotas, ficam desde já pendentes de um milagre de Vercauteren. 

- Não há ninguém que veja os factos da noite das eleições e - com toda aquela encenação com o argumento inenarrável da afinação dos resultados  - que acredite que Godinho Lopes seja o legítimo presidente do Sporting. Se os há estão prestes a deixar de haver, se os houve já não existem. Nada a fazer, assim como as marés são mais que os marinheiros. É como a história da reestruturação da dívida, ontem era coisa de irresponsáveis esquerdistas,  hoje é o caminho desejável. Bendidos sejam os credores.

- Que mal custa ter razão a priori, que mal custa saber o enredo logo de inicio. Primeiro todos juntos e amigos no "projecto", depois o regresso ao saco de gatos, depois a fogueira das vaidades, depois o ex-saco de gatos,  depois a ex-feira das vaidades. Depois, no fim, o mesmo resultado: o regime desastroso-presidencialista a la Bettencourt. A comédia é de tão fraca qualidade que ainda resiste a um mês sem treinador. E com mais de três milhões de adeptos a assistirem. Estatísticas. 

- Amanhã acabam-se as férias? É que eu já as paguei e não eram as minhas. Nós sportinguistas já as pagámos de uma maneira ou de outra. Por mim falo, no hard feelings, sem ressentimentos, já cá não está quem falou, fica como uma ajuda à causa. É sempre um gosto. Estamos é quase em Novembro. É melhor que paguem cada cêntimo que ganharam. Irrealista? Se os trocassem com a equipa B talvez percebessem onde está a realidade. 


PS: Há três excepções. Viola, Rinaudo e Rui Patrício. A primeira chegou agora, a segunda tem estado meses lesionado, a ultima tem sido o nosso legítimo salvador e abono de família. Sem ele quem sabe...

sábado, 27 de outubro de 2012

Chama-lhe Mercados




"Os quadros da Goldman Sachs são empurrados para fora da instituição e passam a gravitar na órbita do sistema administrativo. Isso significa que é impossível que votem contra os interesses da Goldman Sachs."

"Têm o poder de arruinar economias como a Grécia. Gira tudo à volta dos mercados dos juros das obrigações. E quando declaram que determinado governo está insolvente as consequências são drásticas. Forçam-no a pedir empréstimos e impõem as medidas de austeridade que empobrecem os países."

"Ninguém alcança poder político sem a aprovação do sector financeiro. Desde o colapso de 2008 vimos que essas instituições são intocáveis. Não podemos fazer nada para as deter. Saquearam o Tesouro dos Estados Unidos e continuam no casino de especulação como antes de 2008."

"São criminosos. No século XVII os especuladores eram enforcados. Mas aqui, todas as instituições, a imprensa, as universidades, os partidos políticos, os sectores executivos do governo, toda a gente dança ao som da música que eles tocam. E não há nada que o cidadão comum possa fazer. Não há nenhum mecanismo dentro das estruturas formais do poder que nos permita lutar contra eles. "

"Estamos a ser destruídos financeiramente, moralmente, politicamente e economicamente por determinadas instituições e o Goldman Sachs é a jóia da coroa dessas instituições. Não conhecem limites, transformam tudo num mercado que exploram até à exaustão ou ao colapso."



sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Vício Inerente




Não sei porquê, sempre que leio, ou oiço, ou vejo Elmore Leonard – e não são poucas vezes porque o velho Dutch inspira-me sempre, mas isso é uma outra história, talvez para outra altura - apetece-me logo um cigarro. Eu que não sou fumador habitual há mais de dez anos, eu que na melhor das hipóteses só compro cigarros de vez em quando, por exemplo quando vou a Alvalade com o meu pai, ou quando saio à noite com amigos e cervejas. Mas pelos vistos não é só assim e com o Dickens de Detroit que me bate o formigueiro, há bocado a ver este fabuloso trailer da Penguin ao romance "Inhrent Vice" de Thomas Pynchon também me deu logo vontade de sacar um do bolso ou da gaveta. E ler o livro já agora. Anda a par com o vício a chamar de não sei onde. 


Raio X

Já que não vejo muito bem ao longe, tento melhor ver ao perto. Não sou dos que num estudo mental de instantes dão na hora com o retrato robôt de quem está defronte. O mais que me aproximo é tentando melhor ver ao perto. Só assim vislumbro o padrão que não se dá a meia distância. E contar que da próxima veja melhor. Nem que seja com o tacto, que é coisa de cegos. 

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Lloyd Blankfein


O senhor da cadeira do Goldman Sachs parece ter uma das coisas que Joseph D. Pistone usou para descrever o clássico wise guy: o olhar que diz "i'm always scheming and i'm right and you're wrong". Na verdade, Lloyd Blankfein pode ser muito mais letal que a Cosa Nostra. É ele o homem in charge da seita que parece que comanda o planeta em governosbancos centrais,  orgãos reguladores e decisores, arruinando populações inteiras e mesmo os próprios clientes e investidores, gente que nem imagina a  sorte que é sermos governados pelo professor Gaspar. Blankfein mal dá entrevistas, mesmo perante o senado e sob juramento se dá ao trabalho de responder. Do pouco que sabemos da figura parece que anda pelo mundo a fazer o trabalho de deus. É pois urgente que entendamos a mensagem da boa nova. Nós os ignorantes. Os que ainda nem sequer acordaram. 

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A meia-luz do dia nublado


A luz não é o meio mais adequado para ver as coisas, mas para ver certas coisas. Agora, que está nublado, distingui da varanda um maior número de detalhes na paisagem do que nos dias de sol. Os dias soalheiros realçam determinados objectos em detrimento de outros, que deixam na sombra. A meia-luz do dia nublado põe todos no mesmo plano e tira da penumbra os esquecidos. Assim, certas inteligências medianas vêem o mundo com maior precisão e com maiores matizes do que as inteligências luminosas, que apenas vêem o essencial. 


Julio Ramón Ribeyro,  Prosas Apátridas, tradução de Tiago Szabo, Edições Ahab


Literatura Policial

O romance policial só será credível como literatura se a resolução do crime estiver dentro da estrutura, do próprio corpo da obra. Qualquer solução alheia - fora desse corpo, das suas regras, do seu funcionamento interno  - é, mais que um acto falhado, um erro fatal. Entra ali como um objecto estranho, irreconhecido, de outro planeta, outra linguagem, outra matéria. A ciência diz que o ferro é capaz de destruir uma estrela. A solução a la CSI, o deus ex machina, é esse ferro dentro do romance policial. Destruirá a sua força, eliminará o tal mecanismo de combustão. Há quem diga que toda a literatura é policial. O que todo o policial não é, é literatura. 

sábado, 6 de outubro de 2012

O Engano


Todo o crente do acaso e dos dados à sorte devia ao menos pensar nas comemorações de ontem. Bandeira hasteada ao contrário no ultimo 5 de Outubro feriado, anfitriões e comemorantes escondidos da rua pela primeira vez desde 1910, primeiro-ministro fugido em cimeira insignificante, mulher desesperada a irromper cerimónia adentro...
Num regime dirigido pelo PSI20, Berlim e predadores do banco Goldman Sachs fabricador de crises mundiais, Primeiros-Ministros e conselheiros de privatizações dizer que foi um engano esta impressão de queda livre não impedirá a imagem de ficar gravada em futuros manuais de História. Quantas vezes se consegue ilustrar o engano?