sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Duas horas para Elmore Leonard


Levanto-me e antes de ter o café pronto já estou a escrever. Só o levo à boca se entrei dentro da história. O mundo virá depois, que espere. Duas horas para começar, dia sim, dia sim. É isso que conta. Preciso de escrever. Sem isso nada feito. Sem as duas horas de escrita ao acordar não estaria aqui hoje. Ajudou-me a que conseguisse fazer disto emprego e às três da tarde ainda me sobram três horas para escrever. Mas precisei de dez anos, das cinco da manhã às sete, antes de ter de ir ganhar a vida a escrever anúncios para a Chevrolet. Era uma chatice, um aborrecimento constante. As folhas escritas é que me afagavam o espírito. Enchiam-me de força, determinação, coragem. Pilhas e pilhas de folhas escritas. Oitenta e quatro rejeições, oitenta e cinco já não. Não há nada na vida como pegar num romance, ler umas passagens e ficar satisfeito, gostar do resultado. São quarenta e cinco livros que não me chateiam nada. E uns dez filmes entre o excelente e o péssimo. Não fossem aquelas duas horas e nunca poderia estar aqui agora a escrever-vos esta mensagem. Devo agradecer a todos os meus personagens. Também eles tiveram de se fazer à vida. Eu só os pus lá. Sempre foi assim, nas primeiras cem páginas faço-lhes um género de audição, eles que se mostrem, os que sabem falar entram; os que não falam ou não dizem de sua justiça, esses não têm hipótese, não se aguentam, ou os mato ou ficam poucas páginas, estão fora de qualquer maneira. Falando é melhor. Até porque o resto acontece. Eu só escrevo para saber o que acontece. Escrevo para mim. Se não sabiam ficam a saber. Uma vez criei um personagem chamado Frank Latisse e a acção passava-se em New Orleans e eu achava que por isso o nome vinha mesmo a calhar, mas o Frank não abria a boca e parecia demasiado velho, então mudei-lhe o nome para Jack Delaney, e o homem não se conseguia calar...