sábado, 12 de novembro de 2011

Estatísticas



"Há vários nomes para o que aconteceu na Alemanha e na Polónia nos primeiros anos quarenta. Holocausto, Shoah, Vento de Morte. Em romani chama-se Porreimos, Voracidade. Não há nomes para o que aconteceu na União Soviética entre 1917 e 1953 (embora os Russos refiram, totemicamente, “os Vinte Milhões” e a Estalinstchina, o tempo de Estaline). Que havemos de chamar-lhe? A matança? O Fratricídio? O Menticídio? Não. Chamar-lhe Zatchto? Chamar-lhe para quê?"

"Foi durante o período da Colectivização que a delação deu o grande salto em frente. Nas aldeias os camponeses mais pobres eram incitados a denunciar os mais ricos. “Era tão fácil meter um homem dentro! Explica Grossman. “Escrevia-se uma denúncia, nem sequer era preciso assinar”: Pelos meados dos anos trinta, quando o terror se voltou para as vilas e cidades, a denúncia era louvada na imprensa como “dever sagrado de todo o bolchevique seja ou não membro do Partido”. 
Pode-se denunciar alguém por medo de que essa pessoa nos denuncie; pode-se ser denunciado por não denunciar o bastante; o único desincentivo à denúncia era a possibilidade de ser denunciado por não ter denunciado primeiro;"

"Se, como é corrente dizer-se, o poder é uma droga; então há casos em que a droga deixa de dar efeito a não ser que se aumente a dose – no caso exponencialmente. Para Estaline, o poder era coisa dos sentidos e das membranas. E ele procurava invariavelmente o limite superior. A Colectivização terminou quando os camponeses foram todos colectivizados. O Terror-Fome terminou quando já não restava ninguém para semear a colheita seguinte. O gulag continuou a expandir-se até parecer que ia rebentar. O Terror prosseguiu até mesmo as prisões temporárias, as escolas e as igrejas estarem todas cheias e os tribunais em funções vinte e quatro horas por dia."

"Toda a gente sabe de Auschwitz e Belsen. Ninguém sabe de Vorkuta e Solovetski.
Toda a gente sabe de Himmler e Eichman. Ninguém sabe de Iejov e Dzerjiinski.
Toda a gente sabe dos 6 milhões do Holocausto. Ninguém sabe dos 6 milhões do Terror-Fome."


Martin AmisKoba o Terrível [Lisboa: Teorema; tradução de Telma Costa; 2003]



Fica uma amostra do excelente Koba o Terrível de Martin Amis que li dum trago (bem amargo). Para muitos que não conheçam ou tenham lido nada sobre o período 1917-1953, tal horror talvez não passe duma estatística (*). Há aspectos em que Estaline conseguiu ir tão longe como Hitler, não os reproduzo aqui. Mais: é quase unânime entre historiadores que tivesse Estaline vivido mais um ano e também os judeus na URSS teriam sido exterminados. De castigo já tinham morrido 5 milhões de ucranianos. Estatísticas.




(*) - "A morte de uma pessoa é uma tragédia; a de milhões, uma estatística." (Estaline)