Tenho essa coisa de me sentir às vezes estranho na minha cidade. Costumo guardar chatices num compartimento, com todos os cuidados, as complicações maiores
quero-as metidas numa caixa que acaba invariavelmente a rebentar pelas costuras ameaçando atacar um dia enquanto durmo. Costumo dizer a uma amiga: “não compliques, as coisas já são
suficientemente complicadas”, ao que ela traduz suficientemente por excessivamente e as minhas palavras acabam desvalorizadas como a moeda do Zimbabwe.
Sinto-me estranho pela secura de quem prefere ser um retrato da “Canção de Lisboa”. Tentando amiúde
arranjar explicações, a ascendência não me deixa mentir: lisboeta de segunda geração porque só a mãe é daqui, os avós maternos nasceram no Cercal e São Luis respectivamente - com ascendentes perdidos séculos adentro - meu pai nasceu em Angola, minha avó idem, avô paterno de Ovar, bisavós
paternos da Sertã...
Quando não estou frio sou bem capaz de misturar calor africano com tá-se bem
alentejano. Essa coisa do amor desmedido a Lisboa é que não me funciona. Gosto da cidade sim, identifico-me até com o rapaz de Lisboa de Jorge Silva Melo. Mas existem muitos mas. Além de Lisboa ser muito benfiquista e eu sou do Sporting, de Portugal.