segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Opus Night




Tomado o gosto, a leitura levantou voo, "Alexandra Alpha" de José Cardoso Pires é tão bom tão bom, tão categoricamente excelente, que até dá para as apostas mais categóricas. Por exemplo da quantidade de vezes que Cardoso Pires terá ouvido e lido que ninguém como ele terá alguma vez escrito Lisboa daquela maneira, a viver. Numa escrita cinematográfica mas cheia de variedade linguística e de estilos, emersa em sub-plots dum plot principal que pouco ou nada conta para o total da obra pois conta é o que é mostrado. Um caleidoscópio de personagens, personalidades e vivências, riquíssimo como o vocabulário utilizado, muito característico e próprio e original, mas sobretudo eficaz, objectivo, impiedoso, certeiro, ao osso; nunca estéril, antes com toneladas de humor e ironia. 
"Alexandra Alpha" fez-me regressar a uma Lisboa que era mais de pais e avós, deixando-me ainda rastos na infância, de um depois ainda não calcinado por este presente cínico e devorador de esperanças. Mesmo assim nem tudo se sumiu. Falamos de Lisboa, certo? Então ainda há muito de "Alexandra Alpha" por aí. Se sair hoje à noite a alguns bares da boémia mais antiga talvez possa ainda encontrar algum Sebastião Opus Night de algibeira, personagem com que me ri tanto nas noites/madrugadas dos últimos dias, precisamente as horas dos Opus Nights da vida. É certo que nenhum deles chegaria a tal (im)perfeição, mas se voltar a ver um, prometo que aviso. 
Mas ainda há outros personagens tão ou mais importantes no romance: Alexandra Alpha, Maria, Sophia Bonifrates, o tio Berlengas, qualquer um a merecer longos textos e dissertações; depois há o Bernardo Bernardes, o Amadeu Fragoso, o Bruno Senna, etc, etc.  
Não gosto de escrever sobre livros ou filmes abrindo o véu à história, prefiro recomendar. Fora todas as qualidades de obra-prima que fazem de "Alexandra Alpha" talvez o melhor livro de Cardoso Pires, é fundamental ali o retrato de um certo ambiente do Portugal pré e pós-25 de Abril, da Lisboa dos anos 60 e 70, dos desencontros da vida e crises de identidade, da noite e da boémia e de tanta gente. Enquanto o Opus Night vai aparecendo empurrando copos no seu delírio de vinho ao contrário.