quinta-feira, 16 de junho de 2011

A Melhor Juventude



Foi "Casa de Lava", filmado na ilha do Fogo, que fez com que lá chegasse - para fazer o favor de entregar umas coisas a familiares de gente que conheceu na ilha. Para Pedro Costa entrar nas Fontainhas foi um choque equivalente a uma chegada a África ou à Índia, como diria mais tarde. Primeiro estranhou bastante, mas rapidamente envolveu-se naquele mundo e comunidade onde até como tesoureiro serviu. Trabalhou,  realizou obras-primas, tomou a comunidade como sua. Ali paredes meias de Lisboa, num sub-mundo de miséria, filmando horas a fio num longo moroso processo de repetições, dores, conflitos, maturações, numa longa teia tecida entre a pessoa de carne e osso e seu terrível enredo onde vêm à luz reminiscências de Robert Bresson, Straubb/Huillet, Rosselini ou Pasolini. Com a coragem de um cinema assim - artesanal, transcendente, singular o suficiente para se poder considerar uma nova cinematografia - vive ali o mais brutal e desesperado dos pessimismos, que se confunde bem com o seu realismo: não existe saída, ponto. O feito de Pedro Costa está no sublimar de tal desolação, de toda aquela inumanidade e miséria. Tal como Joseph Conrad no seu "Coração nas Trevas", tudo ali é sinuoso, fechado na obscuridade, no silêncio, na lassidão, onde o climax é não só o ponto mais longínquo da viagem, como a própria condição de um regresso.
Não há fórmulas para tal, nem a folha em branco se ensina. A folha em branco aqui é o plano. Está tudo lá, na folha: o som, os diálogos criados e improvisados incessantemente até a uma forma que os sustente. O olhar, a presença do personagem, feita de meses e meses de empatia vivida, transportando verdade para o filme trabalhado sobre o abismo entre nós e a irremediável miséria dos deserdados do mundo. 
A primeira vez que visitei o seu "cinema das Fontainhas" passei quiça por um semelhante processo de aceitação. Primeiro de estranheza e rejeição, depois de revelação e descoberta. Tem de se conquistar o prazer daquela fruição. De tudo o que está lá dentro - a sua poesia, a sua metafísica, o seu processo de catarse. E tanta humanidade na desumanidade. One of the most important artists on the international film scene , podem dizer o mesmo em Nova Iorque, LA, Paris, São Paulo, Tóquio...Contra todas as probabilidades é nele que estão postos os olhares do cinema mais genuíno.  Mesmo achando que o Cinema como ofício no seu sentido mais artesanal é uma arte em vias de extinção. Pronta a desvanecer-se.